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Rita de Cássia: "Sem saber nada de pecuária de leite, me esforcei muito para aprender cada detalhe e seguir à risca as orientações técnicas"

EMPREENDEDORISMO

Produtora inicia do zero e,

anos depois, torna-se

REFERENCIA

na produção de leite

Sem instalações adequadas disponíveis na propriedade, ela começou com quatro vacas da raça Jersey emprestadas e hoje também se destaca na qualidade de seus queijos. Ah, e faz tudo isso sozinha

João Antônio dos Santos

A propriedade contava apenas com uma casa e um barracão e, aos poucos, a produtora foi formando a pastagem e construindo as instalações

Um sonho que se foi concretizando “bem aos pouquinhos”, com quatro vacas da raça Jersey emprestadas para começar a produzir leite na propriedade “pelada” de instalações, apenas a casa, um pequeno barracão e nada de pasto. Foi assim que Rita de Cássia Pinto Hachya, proprietária do Sítio Vila Láctea, localizado no município de Sorriso (MT), no assentamento Jonas Pinheiro, começou sua história no leite, em 2008. Hoje, ela é referência como produtora e também se destaca na qualidade de seus queijos. Vamos contar a história dessa empreendedora no leite.

“Foram duas histórias que se cruzaram: consegui esta terra, pelos meados de 2008, depois que vendi um pequeno comércio na cidade de Sorriso com o objetivo de começar a produzir leite. Tempos depois, conheci o Evandro José de Carvalho, médico veterinário, que tinha ideia de trabalhar com vaca de leite, mas não tinha terra. Acabou que, em 2009, ele me emprestou essas quatro vacas que estavam no fim da prenhez. Pouco tempo depois, comprei as vacas dele. Já com a intenção de crescer, pois nasceram quatro bezerras. E aí, iniciei o melhoramento genético, orientado por ele”, lembra Rita de Cássia.

Ela conta que trabalhava na cidade e foi para o campo sem nada conhecer de agropecuária, tanto que nem sabia ao certo o que fazer no sítio, embora tivesse uma preferência pela produção de leite. “Foi depois do parto das vacas que tive certeza do que desejava. Aprendi a tirar leite, a cuidar das bezerras, a manejar e alimentar os animais, na época com feno e ração, e me apaixonei por essa atividade”, diz.

Decidida a tocar em frente seu empreendimento no leite, em 2009, Rita de Cássia, com os oito animais, começou a investir em ração para as vacas, enquanto a pastagem estava sendo formada. Ela faz questão de frisar que desde essa primeira produção de leite teve a certeza de que seu objetivo daí por diante seria fazer bem feito, de modo profissional, usando as tecnologias a seu alcance para melhorar continuamente. “Assim, contando com a orientação do Evandro, me empenhei para aprender tudo o que precisava quanto a técnicas de manejo e nutrição, ordenha higiênica, cuidados com as bezerras, com a vaca prenha, etc., e orientações ainda na parte sanitária e reprodutiva”, relata, observando que hoje está casada com Evandro, que trabalha fora como fiscal do Indea (Instituto de Defesa Agropecuária/MT).

O concentrado no cocho é formulado na proporção certa para equilibrar a dieta com o volumoso do pasto

Melhoramento genético – Naquele início, cada animal produzia cerca de 12 litros de leite por dia, em duas ordenhas. O melhoramento genético começou a partir daquelas quatro vacas e depois com suas filhas, nascidas no sítio. “Elas não tinham registro, não sabíamos quem era o pai e a mãe. Assim mesmo, decidimos fazer o melhoramento inseminando-as com sêmen de touros melhoradores. Hoje, no rebanho estão as netas delas. E sabemos quem são os pais e avós, sendo as filhas cada vez de melhor padrão genético em relação às suas mães. Essa linhagem genética está registrada no aplicativo, porém não em documento, pois não é economicamente viável para mim neste momento”, relata, acrescentando que, com base no registro de cada uma delas, está mudando o rebanho para a produção de leite A2A2, já que é uma tendência do mercado e o produto tem boa procura.

 

Alimento de qualidade – Hoje, o Sítio Vila Láctea conta com 2 hectares de pastagem, sendo 18 piquetes rotacionados de capim mombaça irrigados, onde pastejam as vacas em produção, e na área de tifton ficam as novilhas.

“Estamos no quarto ano de uso da irrigação do pasto o ano todo, não precisando mais produzir silagem. Esse pasto produz muito bem mesmo na seca, com isso consigo ter boa forragem rica em caroteno (vitamina A), que dá aquela cor no queijo amarelada”, nota Rita de Cássia, acrescentando que, assim que os animais saem do piquete, realiza a adubação e às vezes é necessário roçar, visando controlar a altura da entrada e da saída do rebanho.

Hoje, o rebanho está num tamanho em que a produtora pode tocar sozinha todas as tarefas no sítio, pois ainda não conta com mão de obra para ajudá-la. “Aqui, temos muita dificuldade em encontrar pessoas capacitadas e que queiram trabalhar na produção de leite. Por isso, tudo – manejo, ordenha, tratos, limpezas, tratos das bezerras, a produção de queijos e sua distribuição no comércio – faço sozinha”, diz ela.

Ao todo, seu rebanho é formado por 17 animais, sendo que as 7 vacas em lactação produzem, na média do ano, 16 litros por dia, no total de 110 litros de leite, em duas ordenhas. São mais três vacas secas, mais três novilhas prenhes e o restante é de bezerras.

Há quatro anos usando irrigação o ano todo, a produtora nem precisa produzir silagem

A produtora faz questão de frisar os rigorosos cuidados na criação das bezerras: nunca teve problema com mortalidade, por exemplo, em decorrência de diarreia. A criação de bezerras foi feita inicialmente em casinhas, mas por não contar com mão de obra, ela optou por deixá-las amarradas, por uma guia, num tronco de árvore, com espaço bem sombreado para se movimentarem.

As bezerras recebem quatro litros de colostro na mamadeira na primeira semana para garantir bem a imunidade, depois são aleitadas com sucedâneo misturado com soro de leite (oriundo da fabricação dos queijos), e têm à disposição sempre água limpa, ração e volumoso (feno de tifton) na terceira semana de vida delas. “Neste ano, por causa da alta dos insumos, comecei a tratá-las com o sucedâneo misturado com o soro, o que vem trazendo um bom resultado. Os animais são desmamados com três meses”, nota, acrescentando que as novilhas são inseminadas quando atingem 240 kg, com 12 meses de idade, em média, mas teve novilha que foi inseminada com menos de um ano, pois atingiu o peso adequado.

Rita de Cássia conta que a ideia de agregar mais renda à atividade com a produção de queijos foi de seu marido. “Como é baixa a remuneração oferecida pelos laticínios, o Evandro me sugeriu que, se eu quisesse sobreviver na atividade, ter uma renda melhor, o caminho seria produzir queijos, porque agrega valor ao leite, desde que seja um produto bom, diferenciado e de ótima qualidade. E hoje vejo que realmente ele estava certo.”

Decidida a dar mais esse passo em seu negócio, a produtora reformou e adequou o barracão segundo as normas sanitárias, sob a orientação do Serviço de Inspeção Municipal de Sorriso e também para se habilitar ao selo SIM. Na época, entre reforma e mão de obra, foram investidos cerca de R$ 28 mil, com recursos de empréstimo de banco privado. Todos os outros investimentos que fez na atividade foram com recursos provenientes do leite.

No fim de 2014, ela começou sua produção de queijos, que vendia de porta em porta. Como a aceitação foi muito boa, Rita de Cássia apressou as instalações da queijaria Sítio Vila Láctea, pois com regularização poderia ampliar a distribuição de seus produtos no mercado. “Já no meio do ano de 2015, quando obtive o selo de inspeção municipal, foi quando consegui colocar o nosso queijo no mercado, na merenda escolar”, lembra ela, observando que, em 2020, conseguiu também o Susaf, selo de inspeção estadual e, assim, começou a comercializar seus produtos no município vizinho, Lucas do Rio Verde. Já deu entrada na documentação para obter o Selo Arte, com o qual poderá vender seus produtos em todo o Brasil.

Com esmerado cuidado na criação de bezerras, elas se desenvolvem saudáveis e são inseminadas aos 12 meses

“Quem me ensinou a fazer queijo foi o Evandro, que fez um curso sobre fabricação de queijos numa faculdade em Minas Gerais. E, buscando me aperfeiçoar, também fiz cursos de capacitação oferecidos pela Prefeitura de Sorriso e pelo Senar-MT, sobre qualidade do leite, de queijos, quando aprendi a pasteurizar. Mas a receita que uso é a do Evandro”, conta a produtora.

Sua linha de queijos abrange os queijos minas frescal, minas padrão, muçarela, cabaçinha, um queijo integral que ninguém faz na região, o colonial e recentemente iniciou a fabricação de manteiga. O principal deles é o minas frescal. Também está aumentando a procura pelo colonial, cujo diferencial é a maturação de 30 dias. Ambos os tipos têm muita saída, mas o minas frescal é o produto que lhe dá mais lucro.

Os resultados econômicos mostram o acerto em produzir queijos: esses produtos fazem com que sua remuneração por litro de leite fique ao redor de R$ 7, enquanto o laticínio está pagando R$ 1,60. De frescal, comercializa 150 kg/mês, negociado a R$ 27/kg, mais 40 kg de queijo colonial, por R$ 50/kg. Em relação à manteiga, está em processo de registro, por isso ainda não colocou no mercado. Ela parou com a venda direta dos produtos, fornecendo diretamente aos supermercados e mercearias de especiarias, vinhos e queijos.

Segundo ela, no momento, ainda não fez contas dos custos do litro de leite produzido no sítio, porque ainda está utilizando os insumos da safra do ano passado. Mas, de qualquer modo, afirma, é bem mais compensador. “Pois sobrevivo desse meu trabalho, pago a faculdade dos meus filhos. Estou no meu segundo casamento, com o Evandro, que, como fiscal agropecuário do Indea, trabalha a semana toda fora. Ele orienta toda a parte de nutrição do rebanho, inseminação, do manejo do pasto… O que eu tenho que fazer é seguir à risca suas indicações”, diz.

 

Bem-estar animal – Para Rita de Cássia, a questão do bem-estar animal e outros itens da sustentabilidade têm que estar presentes em qualquer propriedade que baseia sua produção em animais. Tanto que conta com orgulho que o Sítio Vila Láctea recebeu o Certificado de Unidade Demonstrativa do Projeto Rural Sustentável – Cerrado-MT.

Ela relata ainda que faz parte do CAT (Clube Amigos da Terra), de Sorriso, que tem por objetivo trazer desenvolvimento tecnológico sempre em harmonia com o meio ambiente, além de concretizar projetos que realmente transformam a vida das pessoas. Segundo informações da entidade, o CAT completou em julho 19 anos de existência.

“O CAT é de grande importância para a região, pois sempre incentiva a produção sustentável e boas práticas de produção, por meio dos seus eventos e cursos. Todos têm um carinho e cuidado com o meio ambiente, sempre que precisamos procuramos o CAT e estão sempre dispostos a nos ajudar”, afirma Rita, dizendo que a associação abre suas portas às mulheres, com eventos anuais voltados para elas. “Gostaria de agradecer de coração tudo que o CAT tem feito pela nossa região”, ressalta.

Para ela, desde a primeira bezerra que nasceu no sítio, percebeu o quanto é necessário dispensar “todo o carinho”, nutrição correta e conforto. “Senti como se fosse parte de mim. Toda mãe sabe como é ter um filho, então eu dou todo carinho para todos os animais. De lacinho nas vacas, coloco nome em todas, para as bezerras, com todo o conforto, coloco bola para brincarem, e até mesmo converso com elas. Se for para tratar os animais como máquinas de produção, não vou me sentir bem e não quero esse tipo de atividade”, assinala, sintetizando que os animais precisam de água de qualidade, sombra de qualidade, além de muito amor e carinho.

Rita: Sempre estou buscando aprimorar e inovar meus produtos, mantendo o alto padrão de qualidade

Metas – Conforme ela observa, seu “espírito” empreendedor não vai deixá-la parar nunca. Não é porque, em suas condições, desde o dia em que começou do zero, conseguiu avançar bastante, que vai parar por aí. “Comecei devagarinho, com as quatro vaquinhas, logo depois já eram oito e fomos melhorando a genética, e hoje eu e o Evandro estamos levando o rebanho para A2A2, produzimos queijos já com inspeção estadual e a próxima meta é conquistar o Selo Arte.”

Quanto a aumentar o rebanho e o volume de produção, Rita de Cássia observa que seu problema é a falta de mão de obra. Então, o que procura é melhorar a produtividade vaca/dia, para chegar ao redor dos 200 litros por dia, pois mais que isso não terá condições de tocar sozinha.

Algo que merece destaque nessa trajetória é que, desde o início, tiveram um norte, um planejamento para superar os obstáculos e produzir da melhor maneira possível e entregar para o consumidor um produto de alta qualidade. “Assim, agregamos valor à atividade e à propriedade e, felizmente graças ao compromisso com esse trabalho duro, já estamos sendo uma referência no município.”

Os queijos do Sítio Vila Láctea hoje são comercializados em supermercados e mercearias

Está também em suas metas transformar o Sítio Vila Láctea em uma referência em turismo rural pedagógico para as crianças, mostrando para elas qual é a importância de ter boas práticas agropecuárias, explicar a necessidade de termos um leite de qualidade, um produto sob inspeção, e o porquê de adquirir esse tipo de produto inspecionado.

“Muitas vezes, converso com alguns produtores que acham uma frescura fazer o pré e pós-dipping, ter toda aquela higiene, pois têm aquele pensamento antigo de tirador de leite. Porém, as coisas mudaram. Por isso, bato muito em cima dessa tecla, tento passar todo o meu conhecimento adiante, já que não importa se o laticínio paga mal, pois são as pessoas que vão consumir essa matéria-prima e pagam por isso, logo precisam ter um produto de qualidade”, arremata Rita de Cássia.

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