Não é novidade que o controle da mastite é um dos principais desafios da pecuária leiteira, que, por vezes, deixa o produtor, o gerente e a equipe, todos aflitos quando visualizam inflamação no úbere e nos tetos das vacas, além de mudanças na composição do leite, como diminuição do volume secretado, grumos e pus. Também pode ser um problema imperceptível, sem sinais clínicos ou alterações no leite – a chamada mastite subclínica, que só pode ser identificada por testes, como o CMT (California Mastit Test).
Para tratar a inflamação da glândula mamária de maneira racional, visando reduzir custos com tratamentos e garantir a produção leiteira do rebanho em sua plenitude, o zootecnista e coordenador da consultoria “Vacas & Homens”, Mateus Ribeiro, diz que a melhor estratégia para reduzir o impacto econômico da mastite é sempre a prevenção.
Ele faz questão de enfatizar que o leite com mastite é puro desperdício, e a conta que o pecuarista geralmente faz (custo com medicamentos + descarte de leite) é só uma fatia do bolo, que representa 10% do custo da mastite, conforme mostram as pesquisas. Os maiores custos estão na redução da produção de leite e no descarte precoce de animais. O impacto direto (descarte de leite + tratamento) é de R$ 800 a R$ 1.200 por vaca tratada, porém esse valor é apenas uma pequena parte do custo. A redução na produção de leite é o que mais pesa. Vacas de primeiro e segundo parto, com CCS equivalente a 100.000, deixam de produzir entre 4,8% e 10%, respectivamente. Com animais mais velhos, as perdas são ainda maiores.
Filho de produtor de leite, formado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), com especializações, MBA pelo Agro+Lean em gestão de processos e cursos em gestão da qualidade do leite, Ribeiro presta serviços de consultoria nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Rondônia, Pará, Sergipe e Bolívia. Direta e indiretamente, participa de 20 projetos, com aproximadamente 3.700 animais.
Para o especialista, tudo se inicia com o diagnóstico da situação da propriedade, em seus diversos aspectos, como o reconhecimento da equipe e seu entendimento sobre boas práticas na prevenção da doença, avaliação dos processos de ordenha, condições dos tetos, ambiência das vacas, entre outros. Muito importante também é o histórico das medidas de controle da mastite já adotadas pela fazenda, além da forma de execução, tais como o uso de pré e pós-dipping, limpeza de tetos, terapia da vaca seca, dentre outras.
“Posteriormente, também é avaliado o histórico da fazenda quanto a CCS individual, mastite clínica, CCS e CBT de tanque. Para mim, como consultor, a CCS individual por vaca é a informação mais importante, pois permite criar e avaliar o histórico de cada animal, com o qual consigo compreender a situação real da propriedade. Aliada à cultura microbiológica e ao diagnostico prático, é possível estabelecer um plano de trabalho específico para a fazenda”, diz ele, destacando que essas avaliações fazem toda a diferença no combate à mastite de forma racional, pois as ações recomendadas para uma propriedade com mastite, causada por patógenos contagiosos, é totalmente distinta das de uma fazenda em que os principais agentes são de origem ambiental.
Segundo ele, em uma fazenda com desafios com patógeno contagioso como S. agalactiae ou S. aureus a principal ação é identificar e separar os animais contaminados dos não contaminados. Já em uma propriedade onde os desafios são gerados por patógenos ambientais, as principais medidas adotadas serão direcionadas ao ambiente das vacas, além da limpeza e da assepsia dos tetos no momento da ordenha.
“Então, quando falamos do tratamento da mastite de forma racional, estamos falando de fazer cultura microbiológica dos casos clínicos; não tratar casos negativos; deixar de utilizar antibiótico injetável em casos leves e moderados e não tratar mastite subclínica (a não ser em casos de Streptococcus agalactiae)”, esclarece Ribeiro. “São medidas de extrema importância, porém são uma pequena fração dessa mudança de conceitos no tratamento da mastite.”
Para o zootecnista, a grande revolução está em criar medidas que previnam a instalação da doença, gerir a equipe de forma consistente e garantir que os processos (combinados) sejam executados de forma consciente todos os dias.
Segundo cita Ribeiro, esse é o caso da Agropecuária São Francisco (ASF), uma pequena propriedade familiar, localizada em Ariquemes (RO), a 200 km da capital, Porto Velho, e que começou a produzir leite em 2015, com aproximadamente 50 animais, no sistema a pasto, e sofreu bastante para melhorar a sanidade do plantel, além de outros indicadores de suma importância para obter sucesso na atividade.
Atenção aos processos – “Em 2016, iniciamos com o sistema compost barn na Fazenda São Francisco. Participei do desenvolvimento integral da propriedade, buscando sempre o bem-estar animal e o dos nossos colaboradores. Os principais desafios estavam na mão de obra existente aqui, na região do Vale do Jamari. Em 2021, fomos em busca de ajuda e encontramos a consultoria técnica de Mateus Ribeiro, que nos deu orientação para podermos entender todos os passos e processos da nossa produção de leite na fazenda”, recorda o produtor e gerente-geral da ASF, Eloi Alves Moreira.
Conforme o pecuarista de Rondônia, por intermédio dos treinamentos ministrados pelo consultor técnico da Vacas & Homens, a equipe da fazenda pôde encontrar soluções para resolver as dificuldades enfrentadas nos processos de cada etapa da atividade. “Graças à dedicação de nossos colaboradores, a Agropecuária São Francisco está conseguindo atingir as metas desejadas”, diz ele.
“Antes da assistência técnica, as mastites não tinham muita importância aqui na propriedade, eram tratadas às escuras, sem critério nenhum. Com isso, foram aumentando os prejuízos sucessivamente. Lembro de vacas perdendo tetos por causa da mastite e tendo de ser abatidas como gado de corte, diminuindo consideravelmente seu valor no mercado”, informa Moreira.
Com a consultoria técnica, foi possível mapear o rebanho e traçar uma estratégia racional para combater a enfermidade. “Uma vez mapeado, dividimos as vacas afetadas em lotes de prioridades de tratamento. Iniciamos o tratamento e rapidamente conseguimos diminuir a taxa de contágio. Usando medicamentos específicos para cada caso fica mais fácil e aumenta a taxa de cura. Em menos de um ano, diminuímos a CCS em mais de 65%. Com isso, melhoramos a qualidade do leite e diminuímos o uso de medicamentos”, comemora o gerente da ASF, observando que a fazenda sempre faz a cultura microbiológica do leite, de modo a identificar patógeno causador da doença, o que é fundamental na tomada de decisão.
Cultura microbiológica no controle – Segundo especialistas em qualidade do leite, a ferramenta utilizada pela Agropecuária São Francisco, a cultura microbiológica do leite, para controlar com eficiência a mastite, é uma técnica fundamental porque permite a identificação dos micro-organismos responsáveis pelos casos de mastite clínica e subclínica no rebanho, auxiliando o produtor nas tomadas de decisão mais assertivas.
“Quando se fala em prevenção e tratamento da mastite, a cultura microbiológia é como o raio-x para o ortopedista, uma vez que permite enxergar além. Identificar o patógeno é importante para ajustarmos as medidas de controle. Medidas de controle para uma fazenda que está com problemas por causa da E.coli são totalmente distintas das de uma propriedade que está com problemas causados por Streptococcus agalactiae”, explica Ribeiro.
De acordo com o consultor técnico, outra vantagem da cultura microbiológica é a identificação de casos negativos, que são vacas que apresentam sinais clínicos, mas após a análise laboratorial é constatado que já não existe a presença de patógeno, logo essa vaca recebe um suporte com anti-inflamatório. Na maioria desses casos, em três ou quatro dias os sinais clínicos e qualquer alteração no leite desaparecem.
“A cultura negativa pode ocorrer em até 40% dos casos de mastite clínica, sendo então uma grande oportunidade a redução do uso de antibióticos e o descarte do leite. Outro ganho interessante gerado pela cultura microbiológica é identificar aqueles micro-organismos de baixa chance de cura, como fungos e leveduras, em que não realizarmos o tratamento, mas sim o descarte do animal ou secagem permanente do teto”, diz o especialista.
Cultura microbiológica na própria fazenda – Esse é o caso que Mateus Ribeiro cita da Fazenda Pedra Pedra d’Água, no município de Nossa Senhora da Glória, em Sergipe, que já utilizava o Smartlab da OnFarm, antes do início de sua orientação técnica. O proprietário, Marcelo Barreto Souza, também médico veterinário, ressalta que fazer a cultura microbiológica do leite na fazenda é um ferramenta de excelente praticidade e confiabilidade.
“Em 24 horas após inoculada na placa, já temos o resultado e com isso é possível ser assertivos nos tratamentos, fazendo uso do que realmente é necessário. Antes de termos a ferramenta, usávamos fármacos desnecessariamente. Muitos dos animais tinham resultado negativo e, antes da cultura na fazenda, estaríamos utilizando bisnaga por quatro dias, daí vinha o descarte de mais três dias. Sem necessidade alguma. Hoje, posso falar com toda a certeza que toda propriedade de leite tem muito a ganhar com a cultura microbiológica na fazenda”, ressalta Souza.
Os desafios da Fazenda Pedra d’Água – Localizada no alto sertão sergipano, a fazenda sempre produziu leite, inicialmente em sistema semi-intensivo, passando para o piquetão com sombra artificial e natural. “No fim de 2019, inauguramos um pequeno galpão de compost barn para 28 vacas Holandesas e algumas Jerseys, produzindo em média 756 litros/leite/dia. Os desafios eram inúmeros. Contudo, o maior deles era entender que eu precisava estar envolvido dentro dos trabalhos da propriedade e não somente chegar algumas vezes e querer apontar os defeitos e achar responsáveis”, diz o produtor.
A partir do momento em que Souza notou que a mudança começava por ele próprio, a Fazenda Pedra d’Água iniciou uma nova fase. “Foi uma fase de mudanças, de envolvimento de toda equipe, em que cada integrante passou a ser de extrema importância. Pois, quando havia falta de consciência da minha parte, as tarefas na fazenda não andavam, ocorria muita coisa errada, eu não sabia por onde começar. E foi aí que chegou Mateus Ribeiro para nos orientar nas melhores práticas, e então começamos do zero o projeto.”
Segundo Souza, o consultor lhe convenceu da importância de estar presente em todos os momentos da atividade e o quanto seu negócio leite poderia evoluir. “A partir disso, comecei a participar das ordenhas, a ordenhar os animais de fato. Estando integralmente ao lado de minha equipe, tudo começou a fluir, a ter sentido.”
Mas, antes de essa sintonia dar certo na Fazenda Pedra d’Água, os prejuízos com a mastite eram grandes, porém contabilizados de maneira errônea. Não havia a visão do quanto esses animais infectados estavam deixando de produzir. Somente se contabilizavam os custos com tratamento e leite descartado.
“Porém, o impacto da mastite se reflete em toda a vida produtiva dos animais. Principalmente quando não se têm estratégias ou planos de controle. Lembro que não fazíamos controle da CCS mensal de todo rebanho, éramos falhos em alguns meses e o grande problema estava principalmente em ter os dados e não os utilizar. Em suma, nossas ações para o controle da mastite não eram das piores, entretanto faltava mais domínio, ou seja, sermos mais assertivos”, avalia Souza.
Ele observa que a parceria com Ribeiro ainda é recente, mas, pelo andamento dos trabalhos, aos poucos estarão colhendo bons resultados. “Vale destacar que é necessário muito empenho por parte de todos, já que de nada adianta o técnico propor várias mudanças para aplicar na propriedade se as pessoas que cuidam da gestão, bem como toda equipe, não se comprometerem a querer o melhor ou não entendem o porquê de cada ação a ser adotada. Então, só por meio desse entendimento haverá melhor resultado para o controle dessa doença, que tanto prejudica a fazenda leiteira”, finaliza.
A Fazenda Pedra d’Água conta 28 animais em lactação das raças Holandesa, que é predominante, e Jersey, com algumas Jersey produzindo cerca de 27 litros vaca/dia/rebanho. Quanto aos indicadores, são eles: qualidade do leite, gordura 4,07% e proteína 3,42%. De acordo com a equipe da fazenda, há pouco tempo a CCS girava em torno de 680 mil e, segundo os resultados da análise de abril, caiu para 131 mil. A CBT está em 20 mil UFC/ml. Com as novas perspectivas de melhorias, Souza já planeja ampliar o sistema de produção, iniciando com a montagem de novo galpão de compost barn para mais 100 vacas, priorizando o conforto do rebanho, pois dessa forma, segundo ele, as vacas serão “mais saudáveis e longevas”.
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