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Tecnologia de ponta já está acessível a produtores que buscam praticidade, produtividade, qualidade e redução de custos

AUTOMAÇÃO

Produtores mostram que a

ORDENHA ROBOTIZADA

incrementa o negócio do leite

Com a robotização, as famílias Goin e Tolardo, do Rio Grande do Sul, dão uma guinada no negócio, ganhando em produtividade, sanidade e qualidade do leite

Erick Henrique

A pecuária de leite brasileira é multifacetada, tanto que, para alguns produtores, a automação da atividade parece cenário de ficção científica. Para muitos outros, porém, o uso de robôs é uma realidade. Essa tecnologia que já tomou conta, por exemplo, da produção leiteira na Holanda e Alemanha, entre outros países, é uma mudança de paradigma que combina tecnologia física (robôs, braços, cabine de ordenha automatizados) com softwares (programas que monitoram a qualidade do leite, a detecção de cio e o consumo alimentar).

Nesta reportagem, mostraremos em detalhes como esse sistema pode ser um grande aliado para quem produz leite no País, sobretudo para as pequenas e médias propriedades, que enfrentam inúmeros desafios.

Com muita experiência no assunto, o médico veterinário, produtor e especialista em nutrição de bovinos leiteiros pela Rehagro, Douglas Goin, acompanhou de perto, em 2012, a instalação do primeiro robô de ordenha na região de Castro (PR), um dos primeiros sistemas instalados no Brasil, do produtor Armando Rabbers, quando trabalhava como estagiário na Clínica Pioneiros.

Para Goin, essa experiência foi muito importante, pois ele teve a oportunidade de conhecer, na prática, um pouco mais sobre a automação nas fazendas leiteiras. “Já sabia das dificuldades em contratar funcionários, garantir a manutenção deles nos horários, toda essa parte que envolve a ordenha na propriedade. Como em nossa propriedade, a Fazenda Godallatte, em Paraí (RS), já tínhamos em torno de 90 a 100 vacas naquela época, foi a partir daí que surgiu o interesse por ordenha robotizada”, lembra o médico veterinário e produtor.

Douglas Goin: O robô traz muitos benefícios, uma vez que a tecnologia faz toda a parte física da ordenha, combinada com a gestão das informações, por meio de softwares

Após concluir o estágio no Paraná, ele logo terminou o curso de Veterinária e em seguida fez pós- graduação em nutrição de vacas de leite, passando a prestar assessoria técnica aos produtores da região da serra gaúcha, onde está localizada a Fazenda Godallatte, que administra juntamente com seus pais, Sérgio e Liane Dall Agnol Goin. “Além disso, trabalho para uma empresa de nutrição animal que produz em torno de 1.400 toneladas de ração/mês e atende entre 35 e 40 robôs de ordenha aqui da região.”

Goin tem observado que as fazendas que começam a investir mais em tecnologia melhoram a condição de trabalho, conseguem reter mais os jovens no campo e, consequentemente, obtêm maior produtividade, já que contam também com uma gestão de dados melhor, tomando as decisões mais acertadas.

“Dessa forma, acredito que isso seja o principal benefício que o robô traz ao produtor, porque diminui a mão de obra, uma vez que a tecnologia faz toda a parte física da ordenha, e ajuda também na gestão das informações. Captura os dados, transfere-os para o software, possibilitando fazer um benchmark bem interessante”, explica o médico veterinário.

Com duas unidades de robô, em pouco tempo a família Goin já colheu resultados em produtividade, sanidade e qualidade do leite

Empreendedorismo, tecnologias e automação – A propriedade da família Goin começou seu projeto de produção de leite em 1983, com Artemio Agnol Goin, avô de Douglas. A partir de 1990, seus pais (Sérgio e Liane) começaram a reforçar a atividade. Nesse período, a ordenha era feita no modelo balde ao pé e, mais tarde, em 1996, investiram na ordenha canalizada, com seis conjuntos, linha média, e conseguiram aumentar a quantidade de animais.

“O negócio leite sempre foi crescendo. Em 2013, quando retornei para a fazenda, a gente fez o barracão para o compost barn, com capacidade para 140 animais. Vale lembrar que, antes de investir no compost e na ordenha robotizada, o nosso principal desafio era que, no inverno, havia muito barro. Tínhamos até uma oferta grande de alimento, com as pastagens de inverno (aveia, azevém), mas o grande problema era a umidade, além do terreno pedregoso, ocorrendo muitas lesões de casco e casos de mastite”, relata o produtor da fazenda Godallatte.

Douglas com seus pais, Sérgio e Liane Goin, que produzem hoje em média 5.400 litros de leite por dia

Já no verão, Goin explica que o problema maior era o estresse calórico. Com isso, a propriedade ficava entre dois extremos: boa produtividade no inverno, com duas ordenhas, com os animais produzindo, em média, 32 kg/leite/dia, enquanto no verão a produção baixava muito, ficando ao redor de 22 kg/leite/vaca/dia, pois os animais sentiam demais as altas temperaturas.

“Em 2017, partimos para a ordenha robotizada, adquirindo o robô Monobox, fabricado pela GEA. Naquela época, os animais estavam com uma boa produção de leite, contudo, tínhamos dificuldades para realizar a terceira ordenha por causa das instalações, que não eram tão boas. Assim, a robotização foi muito importante por causa disso, visto que nosso objetivo era realizar a terceira ordenha nos animais mais produtivos.”

Ele explica ainda que a adaptação ao novo sistema de ordenha deve ser tranquila, sem jamais se acelerarem os processos, respeitando-se o período e o ritmo natural dos animais. “Aqui na Godallatte seguimos ordenhando os animais no modo convencional. A instalação do robô já estava pronta, todo o sistema ajustado, e então, por cerca de 15 dias, fizemos uma adaptação sem ordenhar as vacas.”

Nessa adaptação, as vacas passavam pela porteira do robô e tinham acesso livre à ração no cocho do equipamento. Após fazer essa adaptação, a família Goin passou a utilizar totalmente a ordenha robotizada.

A primeira ordenha foi acompanhada na fazenda Godallatte, e, como os animais já estavam passando naturalmente pelo robô, tudo ocorreu bem. Apenas uma ou outra vaca estranhava o braço robotizado. Já o ruído do equipamento em si não provocava medo nelas. “Nas primeiras ordenhas, ficávamos observando. A câmera do robô desde a primeira ordenha faz a leitura automática dos tetos, facilitando o manejo, e, nessa fase, acompanhávamos, conduzindo os animais para dentro do robô, para observar se haveria alguma vaca chutando demais”, relata Goin.

Em 2017, ano da instalação do robô, eram cerca de 115 animais em lactação, que produziam uma média de 29 litros de leite por dia. Depois de 90 dias após a adoção da tecnologia, o produtor observou um aumento de produtividade, bem como a diminuição de problemas.

“A partir de 2019, com cerca de um ano e meio utilizando a ferramenta, já estávamos com o ‘robô cheio’, com a produtividade atingindo cerca de 35 kg/leite/vaca/dia. Como a gente possui duas unidades, com capacidade para até 140 animais, os números ficaram mais interessantes”, destaca ele.

Família Tolardo: Marciana (mãe), Ivan (pai), Marcela, Márcio (tio) e Marlene (tia)

Experiência da família Tolardo – A jovem produtora Marcela Tolardo, de 18 anos, do município de São José do Ouro, norte do Rio Grande do Sul, é apaixonada pela atividade, e conta com muito orgulho o desenvolvimento da propriedade de sua família até a chegada da ordenha robotizada. “Tudo começou quando meu pai, Nei Tolardo, comprou uma novilha, e, logo após, adquiriu mais uma vaca que estava em lactação e então começamos a trabalhar com o leite. Isso há 25 anos. Eu nem existia”, brinca.

Segundo Marcela, naquela época, seus pais faziam a ordenha manual e armazenavam o leite em baldes no freezer, que depois era descongelado para ser coletado pelo caminhão do laticínio. Com o passar do tempo, compraram mais animais e, com mais vacas em lactação, o freezer não comportava mais o leite produzido. Então, a família adquiriu um resfriador com os “tarros” de imersão e também um conjunto de ordenha para maior praticidade, pois a produção só aumentava e estava complicado fazer a ordenha manual.

“Nessa mesma época, minha mãe, Marciana, e minha tia Marlene fizeram curso de criação de bezerras com um médico veterinário, que, no fim do treinamento, trouxe uma empresa de inseminação artificial para nossa propriedade, a fim de programar o acasalamento e começar a inseminar as vacas, dando início ao melhoramento genético do plantel”, diz Marcela, acrescentando que, aos poucos, foram introduzindo novas tecnologias, como tanque de expansão, ordenhadeira canalizada, novo manejo dos piquetes e maior cuidado no fornecimento da ração às vacas. Até que, em 2016, instalaram o sistema de compost barn, “com a cara e a coragem, mas com todo o cuidado para fazer bem feito”, lembra ela.

Já com melhora na produção e na qualidade do leite, veio a vez de dar um passo mais arrojado: a instalação de um robô de ordenha. “Essa ideia veio devido à necessidade de se fazer a terceira ordenha, pois as vacas e novilhas estavam com uma produção alta, tanto que começaram a surgir casos de mastite. Como a mão de obra é familiar, ficava muito cansativo realizar essa tarefa”, nota ela, contando que, em agosto de 2021, adquiriram uma unidade de robô Astronaut, fabricado pela Lely, que começou a ser utilizado em novembro.

Marcela Tolardo: Em pouco tempo, as vacas começaram a produzir mais e a procurar bastante o robô, chegando a fazer até quatro ordenhas por dia, na média geral do rebanho

Segundo a produtora, no início passou-se por um período de adaptação, até as vacas se acostumarem ao equipamento. Ela observa que já conseguiram 43 litros de leite, em média, animal/dia. Hoje, a produção está na média de 39,7 litros de leite vaca/dia, com 42 animais em lactação, da raça Holandesa.

“Os resultados foram imediatos. As vacas começaram a produzir mais e a procurar bastante o robô, chegando a fazer até quatro ordenhas por dia, na média geral do rebanho”, informa Marcela, observando que o último investimento foi numa desensiladeira com balança, para maior eficiência no trato alimentar dos animais. “Também compramos um tanque de 6.000 litros, com limpeza automática, para garantir a melhor qualidade do leite”, arremata a produtora.

Gradativamente, a Fazenda Tolardo foi-se tecnificando, com tanque de expansão, compost barn e desensiladeira, até chegar à ordenha robotizada

Manejo alimentar de precisão e qualidade do leite com o robô de ordenha

 
De acordo com o artigo publicado em 2019, intitulado “Sistemas de Ordenha Automáticos e Manejo da Alimentação”, elaborado por zootecnistas da UFMG e da Embrapa Gado de Leite, os sistemas voluntários de ordenha propiciam uma oportunidade para a alimentação de vacas usando a abordagem de precisão.

Essa ferramenta tem o potencial de melhorar a produtividade e, mais importante, promover a eficiência da produção atendendo às necessidades de cada vaca, superando limitações da alimentação com TMR (dieta completa), pois as vacas recebem alimentação com base na produção média.

“A ordenha robotizada auxilia bastante o produtor no manejo alimentar, principalmente com esses custos altos, porque ele trata cada animal de forma individualizada. Aqui na Godallate, os animais de alta produção têm acesso a mais concentrado, enquanto vacas de baixa produção recebem menos concentrado. Além disso, dá para trabalhar com vários tipos de ração, alimentos com mais tecnologia, buscando aumentar o pico de lactação, diminuir problemas pós-parto e também rações mais baratas para animais em fim de lactação”, explica Goin.

Segundo o especialista em nutrição, dependendo de cada robô é possível trabalhar com um, dois e até quatro tipos de ração, de acordo com a orientação de nutricionista que conheça como funciona a ordenha robotizada. É necessário saber como montar tabelas de alimentação, dentre outras características. Dessa forma, o técnico, além de ter conhecimento em nutrição, deve saber como a ordenha automatizada trabalha.

“A fazenda Godallatte utiliza o sistema Milk First, no qual a vaca sai da área de repouso e deve passar por um portão de pré- seleção que determina se ela está apta para a ordenha, sendo então direcionada para o robô”, explica Goin, acrescentando que, neste caso, a vaca é ordenhada antes de receber a alimentação. É um fluxo guiado, com área de separação para os animais que precisam de alguma atenção, como vacas no pós-parto, que são animais que têm acesso preferencial ao robô.

Conforme artigo publicado em 2019, no portal Milkpoint, de autoria da professora Marina de Arruda Camargo Danés, da Universidade Federal de Lavras, a quantidade de concentrado oferecida em cada ordenha tem um tempo limitado para ser consumida. Em média, as vacas passam 7 minutos dentro do robô em cada ordenha. A taxa de ingestão média do concentrado peletizado é de 400 g/minuto, enquanto a do farelado é de 250 g/minuto. Isso significa que uma vaca tem tempo de ingerir, no máximo, 2,8 kg de concentrado peletizado e 1,75 kg de farelado por ordenha. Se considerarmos um número de visitas médias por dia de 2,5 por vaca, a quantidade de concentrado oferecida no robô é limitada de 4,4 a 7 kg/dia.

“Há produtores que alegam que o custo com alimentação do rebanho não reduziu depois da instalação do robô, quando na verdade o que não baixou foi o valor fixo, pois se for diluído pelo custo do litro de leite, obviamente os custos baixaram, uma vez que os animais aumentaram a produção”, avalia Goin.

Automação e qualidade do leite – Goin destaca também que, em relação à sanidade animal, a robotização traz grandes benefícios, já que faz a desinfecção de cada animal, reduzindo os problemas de mastite, principalmente contagiosa, mantém uma consistência de rotina de ordenha muito boa, o que acaba refletindo na redução da CCS. Mesmo onde se fazem mais ordenhas em animais de alta produção, com quatro a cinco ordenhas/dia, a pressão no úbere diminui muito.

“Isso viabiliza a redução da CSS e a ocorrência de novos casos de mastite no rebanho. E, quando ocorre, os animais podem ser tratados de uma forma mais rápida, já que, ao primeiro sinal de mastite, haverá um aviso de que o animal aumentou a condutividade”, nota ele, observando que, nos robôs mais novos, às vezes, é possível fazer o teste de CCS do animal no dia. Ou seja, é uma ferramenta que garante sobremaneira a qualidade do leite. “Para se ter ideia, na Godallatte, quando começamos a utilizar o robô, a CCS ficava em torno de 500 a 600 mil. Hoje, estamos entre 200 e 300 mil de CCS.”

Para Marcela Tolardo, a robotização também tem sido muito benéfica nesse aspecto, pois ela consegue ter um controle maior sobre as doenças que afetam o plantel, agilizando o tratamento das vacas antes que fiquem debilitadas, prevenindo, assim, uma redução abrupta da produção de leite. “Na questão de qualidade do leite, os nossos resultados melhoraram muito, principalmente a CBT, e com a troca do tanque também. Em resumo, o tempo que ordenhávamos foi preenchido com novas tarefas, temos que ser mais cuidadosos com os dados, observar se alguma vaca não procura o robô para ser ordenhada, se tem algum animal doente ou em cio”, conclui.

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