balde branco

HOMENAGEM

PROFESSOR SEBASTIÃO TEIXEIRA GOMES, O FUTEBOL E A PECUÁRIA LEITEIRA

Ivan Jannotti Wendling

Por muitas e muitas vezes presente nas páginas da Balde Branco, fazemos também nossa – com a permissão do autor – homenagem ao grande mestre e estudioso da economia rural, que trouxe imensos benefícios para o conhecimento e a compreensão da Economia do Setor Leiteiro. Que seu valioso legado fique para sempre na memória de todos aqueles envolvidos com a cadeia leiteira, por sua inestimável contribuição para o desenvolvimento profissional do setor.

   Alguns seres humanos nos marcam pela inigualável capacidade profissional, de dedicação ao trabalho e ao grupo, ao espírito cívico. Outros, além dessas qualidades, pelo comportamento cotidiano, no qual respeito, distinção, um bom papo e a sutil percepção das pessoas que os cercam complementam positivamente a personalidade, destacando-os dos demais. Para muitos, quando o comportamento de alguém não agrada, a primeira reação é de ruptura e críticas. Já outros (os mais inteligentes e sensíveis), com sabedoria e delicadeza, corrigem e deixam boas lições e aprendizados para o resto da vida. Sebastião Teixeira Gomes foi um desses seres humanos. Inteligente, sensível e perceptível às pessoas que o cercavam.  

   Assim como boa parte dos brasileiros, Sebastião foi um apaixonado por futebol, tanto que, ainda na época de estudante, foi treinador do time do Berimbau e locutor esportivo da Rádio Montanhesa de Viçosa (MG). Berimbau foi o nome dado à turma de estudantes de Agronomia, Floresta e Economia Doméstica que ingressou na Universidade Federal de Viçosa em 1964 e colou grau em dezembro de 1968. 

   A dona Júlia Teixeira Gomes e o senhor Boaventura Alvares Gomes (ambos in memorian), produtores de leite em Diamante, Minas Gerais, mal sabiam que naquele dezembro de 68 colaria grau o ilustre filho, ou o filho de Ouro de Diamante, o engenheiro agrônomo Sebastião Teixeira Gomes, e que ele deixaria um legado na história da pecuária leiteira brasileira. Diamante é distrito de Ubá, cidade carinho da Zona da Mata mineira e terra natal de Ary Barroso (autor do inesquecível samba Aquarela do Brasil). 

   Sebastião é daqueles caras que a gente passa a gostar de graça, espontaneamente. Conheci o Tião em Viçosa. Da janela do meu quarto eu o avistava, debruçado na janela do seu apartamento com o radinho de pilhas colado aos ouvidos. Era a década de 1980 e o “Galo” tinha um timaço, com Reinaldo, Toninho Cerezo e companhia, e Tião não poderia estar fazendo outra coisa senão torcendo pelo nosso time de coração, o Clube Atlético Mineiro. Apesar dos vários canecos estaduais levantados naquela década (foram 8 em 10), não conquistamos nenhum título de expressão nacional ou internacional. Que decepção! Acho que a pecuária leiteira deveria é agradecer ao Galo a década de 80 porque Tião desanimou um pouco e se dedicou ainda mais à economia leiteira. 

 “A UFV era o meu segundo lar. Lá eu tinha as mais prazerosas das missões: estudar e ensinar, buscar conhecimento, formar jovens e capacitar profissionais, rastrear oportunidades para experiências e aprimoramento tecnológico, levar o saber para o campo e a prática para a Universidade.”
Sebastião Teixeira Gomes

   Em 1987, ingressei no curso de Agronomia da UFV e esperei ansiosamente para ser aluno do Tião. Por diversas vezes frequentei o Departamento de Economia Rural, onde o procurava para tirar minhas infinitas dúvidas. Confesso que algumas vezes a vontade de estar na companhia dele era maior do que as dúvidas, e acredito que ele sabia disso, pois, ao perceber a total falta de assunto, ele puxava outras conversas. O papo às vezes terminava no cafezinho do departamento, onde pude perceber o respeito e o carisma que ele tinha junto aos demais professores. O time era forte e eu jamais saí de lá sem um saboroso café e uma boa nova, fosse pelos comentários do Tião (das percepções humanas), fosse pelas valiosas dicas profissionais dele e dos demais professores ali presentes.    

   A convivência com Tião continuou no Programa de Desenvolvimento da Pecuária Leiteira da Região de Viçosa (PDPL-RV), e, ao longo de dois anos de estágio, observei a mesma coerência, respeito, distinção e profissionalismo em sua pessoa. Por meio da gestão firme e competente à frente das decisões técnicas do PDPL, fez crescer importantes índices da pecuária leiteria de Viçosa e região. Inúmeros estudantes que por lá passaram estão empregados na área e atuam Brasil afora.      

   Logo após a formatura, em janeiro de 1993, fui indicado pelo prof. Sebastião Teixeira Gomes para concorrer a uma vaga de extensionista na extinta e saudosa Assistência Nestlé ao Produtor de Leite (ANPL). A Nestlé foi mais uma importante escola e, nas primeiras atuações, no Triângulo Mineiro, pude perceber o quão importantes foram as lições e as dicas que ele me deu. Da percepção humana aos indicadores econômicos da atividade leiteira, tudo isso me ajudou a entender como lidar com aquele novo universo que me cercava. 

   Mesmo ausente, Sebastião estava presente e em praticamente todos os encontros de que participei estava em pauta a economia leiteira, e não poderia ter sido diferente nos cursos de atualização na notável Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Na Esalq, ouvindo outro ícone da pecuária leiteira, o nobre e querido professor Vidal Pedroso de Faria, a quem igualmente reverencio, adquiri conhecimentos jamais esquecidos durante a vida. Respeitosamente, comparo Sebastião e Vidal a Reinaldo e Toninho Cerezo do Galo, a Müller e Silas do São Paulo, entre a tantas outras duplas artilheiras. Juntos, Sebastião e Vidal fizeram vários gols de placa pelos vastos gramados da pecuária leiteira brasileira, e estou certo de que, assim como eu, vários e vários profissionais espalhados pelo País têm a dupla artilheira como referência.  

   O meu caminho profissional estava realmente iluminado e lá estava eu, no ano de 2006, na companhia de Tião. Desta vez, como professor do curso de Agronomia da Universidade do Vale do Rio Doce, em Governador Valadares (MG), cidade que já foi a capital brasileira do boi gordo na década de 1970 e hoje é referência de uma importante bacia leiteira. Certa vez, Tião me convidou para participar da palestra que proferiria na cidade e para compor o grupo que iria a campo. 

   As palestras do Tião geralmente eram polêmicas porque mexiam na ferida dos produtores. Ele tratava dos números e dos pontos de estrangulamento da atividade leiteira. Acho que a intenção da ida a campo foi do tipo “matar a cobra e mostrar o pau”, bem ao modo Tião. 

   Confesso que, na visita a campo, debaixo de um calor escaldante e com os miolos fervendo, imaginei que a discussão se limitaria aos indicadores econômicos que Tião calculara em sua famosa planilha Excel. Ledo engano. Ele atentamente observou todos os fatores de produção da fazenda e os confrontou, um a um, com os números levantados, e, com base em indicadores técnicos e econômicos, em poucos minutos Tião conseguiu aquilo que eu tentava há meses. O danado convenceu o produtor de que o uso de concentrado é vantajoso quando as vacas encontram, a pasto, quantidade e qualidade de forragem. 

   Ali, a campo, além da economia leiteira, assisti a uma bela e inesquecível aula de manejo de pastagens e de nutrição animal. Eita, Tião, contrariei o que você indiretamente pregava – contra os números não há argumentos. Depois deste dia, jamais deixei de estudar a economia leiteira e a novamente ler os seus artigos: são 210 redigidos entre dezembro de 1986 e julho de 2010. Vale a pena mencionar que se trata de textos curtos, simples, de leitura fácil e atualizados e, por que não dizer, redigidos com senso de humor. Que o diga o de número 82, intitulado
“A Cigarra, a Formiga e o Leite”.
(Vale a pena conferir em: http://arquivo.ufv.br/der/docentes/stg/stg_artigos/stg_artigos.htm)

   Os anos se passaram e finalmente o Galo conquistou dois títulos de expressão. Fomos campeões da “suada” Copa Libertadores da América, em 2013, e, com igual esforço, conquistamos a Copa do Brasil, em 2014, eliminando, nada mais nada menos, do que Palmeiras, Corinthians e Flamengo, estes dois últimos contrariando o improvável. Fomos para a final e ganhamos com relativa facilidade do nosso freguês, o Cruzeiro. Tião merecia esses títulos, e, assim como ele, eu e milhões de atleticanos deliramos de alegria!

   Sebastião Teixeira Gomes foi um divisor de águas da pecuária leiteira brasileira. Das Minas Gerais para o Brasil, Tião indicou o caminho que deveríamos percorrer para profissionalizar a pecuária de leite, tanto da porteira para dentro quanto da porteira para fora. Das políticas públicas aos indicadores econômicos, ele deixou valiosas contribuições para o Brasil.

   Obrigado Tião, por ter ajudado tantas pessoas que lutaram e ainda lutam no árduo campo do universo leiteiro. Quantos produtores de leite evoluíram e buscam dias melhores, em parte, graças aos seus valiosos ensinamentos! Quanto a mim, devo a você uma parte do que eu sou hoje. Obrigado, Tião!

Ivan Jannotti Wendling
é professor de
Pastagens e Forragicultura
na Ufes – Campus Alegre,
Espírito Santo
Trecho retirado da sua autobiografia contida no “Memorial do Jubileu de Ouro do Berimbau (1968 – 2018)”, em comemoração aos 50 anos de formatura da turma.
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