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A base para o produtor de leite evoluir em produtividade, qualidade do leite e melhoria de renda é a assistência técnica e gerencial

MAIS LEITE CAÇAPAVA

Programa para viabilizar a

evolução do pequeno produtor de leite

Produção de leite no Vale do Paraíba sofre oscilações e prefeitura aposta em assistência técnica ao pecuarista para melhorar e manter índices

João Carlos de Faria

Quando Braytnar Seda A. Barbosa, que produz 120 litros de leite em sua propriedade localizada em Caçapava (SP), acorda às 5 horas da manhã para ordenhar seu rebanho da raça Jersey, a mesma rotina se repete em cerca 2,4 mil propriedades localizadas no Vale do Paraíba paulista, maior bacia leiteira do Estado de São Paulo, conforme dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) e da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), órgãos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, com base em dados do Censo Agropecuário (Lupa).

De acordo com esses dados, em 2020 a região somou uma produção de 205 milhões de litros – o que representa cerca de 15% do total estadual –, com um rebanho de 80 mil vacas em lactação, espalhado por 39 municípios, entre Jacareí e Bananal, na divisa com o Rio de Janeiro.

Mas essa produção vem oscilando negativamente nos últimos três ou quatro anos. Em 2017, por exemplo, alcançou 220 milhões de litros, sendo 130 milhões na regional da CDRS de Guaratinguetá, que reúne 18 municípios – classificada como a primeira entre as 40 regionais do Estado – e 90 milhões de litros nos 21 municípios que compõem a regional de Pindamonhangaba, o que representa 7,5% a mais do que a produção de 2020, que alcançou 205,1 milhões de litros, quantidade 4,9% menor do que em 2019, quando a produção atingiu 215,7 milhões de litros.

Braytnar Seda: A gente quer evoluir e precisa produzir com qualidade e isso custa caro. Não dá para errar. Precisamos desses profissionais para nos ajudar

Segundo apontam técnicos e representantes do setor, esses números refletem as dificuldades enfrentadas pelos produtores, mas também representam o crescimento do número daqueles que têm migrado em parte ou totalmente para a pecuária de corte, cujo rebanho já supera em cerca de 57% o de gado leiteiro.

O acesso à tecnologia e às práticas mais elementares de manejo, a baixa qualidade genética do rebanho; a dificuldade em substituir matrizes de pouca produtividade por outras mais qualificadas; a falta de mão de obra; a dificuldade na sucessão familiar para continuidade da atividade e a expansão urbana em espaços antes utilizados para a atividade leiteira, são algumas das barreiras relatadas.

Erick Onari, médico veterinário; Elói José da Rocha, técnico agropecuário; Ricardo Ferreira Sant’Ana, engenheiro agrônomo; Bruno Henrique da Silva, da Seção de Desenvolvimento Rural e Turismo; Gabriel Leite, estagiário de agronomia, e Caio Nanni, estagiário de veterinária

O programa “Mais Leite Caçapava” – Esse cenário tem levado algumas prefeituras, cooperativas e outros órgãos, quase sempre de forma conjunta, a investir em iniciativas para reverter o quadro, fomentando a atividade.

É o caso da prefeitura de Caçapava, que lançou em setembro o programa “Mais Leite Caçapava”, iniciativa da Secretaria de Indústria, Comércio e Agricultura, com o objetivo de oferecer assistência técnica integral aos produtores. No município são 66 propriedades que trabalham diretamente com a produção leiteira. Segundo dados do IBGE (2020), o rebanho do município soma 4,1 mil vacas em lactação, totalizando uma produção de 7,4 milhões de litros de leite/ano.

“Temos alguns produtores grandes, mas a maioria é de pequeno porte, ou seja, produzem menos de 100 litros/dia, com média por animal de menos de 10 litros. É uma produção familiar e o projeto é voltado principalmente para esses produtores, embora não seja exclusivo para eles”, afirma o médico veterinário Erick Onari, da Divisão de Desenvolvimento Rural do município.

Alguns dos principais entraves do setor enumerados por ele são a alimentação inadequada do rebanho e a baixa qualidade genética; a falta de recursos e acesso ao crédito e a falta de mão de obra mais qualificada. “Os produtores não têm acesso ao crédito e, com os insumos caros, a alimentação e os animais não têm qualidade.” Relativamente à sucessão familiar, segundo ele, em geral há dificuldades em manter os filhos dos produtores nas propriedades.

O projeto “Caçapava Mais Leite” vem reforçar o trabalho que já é realizado pela equipe da prefeitura, formada por três técnicos e dois estagiários e que conta com a assessoria do médico veterinário Wagner Okabe, da Casa da Agricultura.

Erick Onari: A maioria dos produtores é de pequeno porte, ou seja, produz em torno de 100 litros/dia, com média por animal de menos de 10 litros. É uma produção familiar e o projeto é voltado principalmente para esses produtores, embora não seja exclusivo para eles

“Vamos fazer mais parcerias com o Senar e outros órgãos e entidades para qualificar a equipe e os produtores”, afirma o chefe da Divisão, Bruno Henrique da Silva. O projeto não tem prazo para se encerrar e inclui outras ações de apoio ao produtor, além do que já é oferecido atualmente.

Silva explica que são cinco os eixos que compõem o plano de ação: alimentação do rebanho, manejo sanitário, manejo reprodutivo, manejo de ordenha e qualidade do leite e boas práticas sanitárias. De 34 produtores visitados inicialmente pela equipe, 20 aderiram à proposta e passarão a receber orientações sobre o planejamento operacional e estratégico da propriedade, com visitas mensais da equipe.

O produtor que adere ao projeto assume compromissos como a análise anual de solo, o preenchimento de planilhas de controle, o levantamento da situação sanitária do rebanho e a adoção de quadros de gerenciamento e acompanhamento do crescimento de bezerras e novilhas.

Um dos produtores que já fizeram a adesão ao programa é Jorge Machado, que há oito anos arrenda uma propriedade de 24,2 hectares no bairro Tataúba, onde trabalha junto com o filho Lincoln Machado. Ele relata que as dificuldades começam pelo custo do arrendamento, que, segundo ele, é caro, mas inevitável, uma vez que há poucas áreas disponíveis. Com produção média diária de 150 litros, seu rebanho atualmente é formado por 20 vacas mestiças em lactação.

Jorge reclama ainda do aumento do preço dos insumos. “Subiu muito e hoje estou dando capim, cana e só um pouquinho de farelo de algodão e polpa cítrica às vacas”, diz. Essa seria sua maior dificuldade, por isso a expectativa é de que a equipe traga ajuda e orientações para a formação de capineiras e melhorias das pastagens. “As vacas precisam comer”, diz.

Os técnicos do programa, Ricardo F. Sant'Ana (de camisa xadrez) e Eloi José da Rocha, em visita à propriedade de Jorge Machado

Essa realidade é semelhante à de seu vizinho João Francisco de Sousa. Também arrendatário, ele sonha em adotar um sistema de pastejo rotacionado na área com pouco mais de 7 hectares, onde mantém seis vacas, com produção diária de 50 litros de leite. Sua meta com o projeto é chegar a 200 litros/dia. “Não sonho muito alto, quero apenas o suficiente para me estabelecer, produzindo com eficiência e qualidade”, diz.

Melhor estruturada e bem mais tecnificada, a propriedade de Braytnar Seda Alvarenga Barbosa, citada no início da reportagem, apresenta resultados mais consistentes, recebendo inclusive uma remuneração melhor pela qualidade do leite das 17 vacas da raça Jersey que formam seu rebanho. Associada da Cooperativa de Laticínios do Médio Vale do Paraíba (Comevap), ela consegue um preço de até R$ 2,39 por litro, por causa das bonificações por qualidade e boas práticas.

O que chama a atenção, no entanto, é sua dedicação à atividade e o fato de ter migrado sua atividade do corte para o leite, percorrendo o caminho contrário de outros produtores da região. Bióloga, ex-pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), deixou o emprego para se dedicar totalmente à propriedade da família. “Nasci aqui e ganhei minha primeira vaca com oito anos de idade”, conta ela.

João Francisco de Sousa: "Minha meta é com o projeto é chegar a 200 litros de leite/dia, produzindo com eficiência e qualidade"

Uma de suas queixas é a falta de atenção dos fornecedores e prestadores de serviço com relação aos pequenos produtores, por causa do baixo volume de consumo. Por isso, espera que o projeto da prefeitura traga ajuda nesse sentido.

“Não compramos ração de marca nenhuma. Preparamos tudo aqui, porque as empresas não querem fornecer em pequenas quantidades. Além disso, procuramos custo menor e mais qualidade”, diz ela. O controle do balanceamento da dieta do rebanho é feito pelo seu marido, Elcio Roberto Barbosa, que trabalha em outra atividade.

A orientação dos técnicos do projeto “Caçapava Mais Leite”, segundo ela, vai favorecer muito a atividade dos pequenos e médios produtores de leite do município. “A gente precisa produzir com qualidade e isso custa caro. Não dá para errar. Por isso, precisamos de profissionais que possam nos ajudar”, justifica.

Investir para melhorar a produção – Com orçamento de R$ 9,5 milhões, a Secretaria de Indústria, Comércio e Agricultura de Caçapava conta com a vantagem de ter uma equipe formada, que já integra o quadro de pessoal da prefeitura, além das parcerias que serão buscadas para reduzir os custos do projeto. Segundo o secretário, Johnny Oliveira, a administração trabalha com a ideia de “fazer mais com menos, otimizando recursos e buscando saídas criativas”.

A decisão em adotar o projeto, segundo ele, considerou o fato de a atividade já ser consolidada no município e a constatação de que o produtor precisa de ajuda para melhorar sua produção e se capitalizar. “Com isso esperamos diminuir o êxodo rural e resolver problemas como o da sucessão, pois os filhos hoje não estão querendo dar continuidade à atividade dos pais”, resume.

O “ Caçapava Mais Leite”, segundo explica, faz parte de um pacote de ações direcionadas ao produtor, como uma das metas da atual administração. “Assistência técnica é fundamental, pois está difícil produzir leite hoje e qualquer melhora para o produtor nesse sentido otimiza o resultado final e aumenta a sua renda, tornando-o mais produtivo e eficiente”, conclui.

Johnny Oliveira: “Esperamos diminuir o êxodo rural e resolver problemas como o da sucessão, pois os filhos, hoje, não estão querendo dar continuidade à atividade dos pais”

Wander Bastos: O Vale do Paraíba mantém-se ainda como a maior bacia leiteira paulista, pela genética de excelência – principalmente da raça Girolando –, e cooperativas e indústrias bem estruturadas. Mas, apesar disso, enfrenta alguns problemas

Dificuldades que afetam a produção leiteira do Vale do Paraíba


Para Wander Bastos, presidente do Sindicato Rural de Cruzeiro, no Vale Histórico, e coordenador da Comissão Técnica de Bovinocultura Leiteira da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), a pecuária leiteira no Vale do Paraíba ocupa lugar de destaque na produção do Estado, mantendo-se ainda como a maior bacia paulista, pela genética de excelência – principalmente da raça Girolando –, e cooperativas e indústrias bem estruturadas. Mas, apesar disso, enfrenta problemas.

“Falta de mão de obra qualificada, as estradas de acesso são precárias e a insegurança, com a ocorrência de roubos e assaltos que crescem cada vez mais, além dos problemas com a cobertura digital, tornam cada vez mais difícil a permanência na zona rural”, afirma.

A migração para o corte, em sua avaliação, ocorre em alguns casos, porque algumas fazendas adotaram tecnologias, otimizaram o uso de suas áreas e com isso sobrou espaço para a pecuária de corte, tornando sua atividade mista.

“Outros trocaram por falta de mão de obra, por não terem acompanhado a evolução e não conseguirem a rentabilidade esperada ou ainda por não terem aptidão e exercerem outras atividades. Como o leite requer muita dedicação, esses optaram pelo corte”, explica Bastos.

Haley S. Carvalho: Além da orientação técnica, observamos que a gestão da propriedade também precisa ser bem trabalhada com esses produtores. É a partir disso que muita coisa pode evoluir

Para o diretor do escritório regional da CDRS de Pindamonhangaba, Haley Silva de Carvalho, a expansão urbana em alguns municípios invadiu o espaço da pecuária de leite. “São muitos os condomínios que se abrem em terras vendidas pelos produtores”, afirma.

As dificuldades características do dia a dia, segundo ele, também influenciam na variação negativa da produção. “São questões relacionadas à rotina, falta de mão de obra e boa parte dos produtores que acabam não sendo sucedidos pelos filhos, além dos altos custos da produção e da variação climática. Tudo isso, no entanto, não ocorre apenas no Vale do Paraíba, apesar de ser a região com a maior produção no Estado.”

O diretor relembra programas que já foram desenvolvidos pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento e cita o “Cidadania no Campo – Município Agro”, atualmente foco do secretário Itamar Borges. Nesse programa, os municípios podem participar, de forma conveniada ou não, sendo submetidos a uma pontuação e classificação num ranking anual.

Alguns dos seus objetivos são a qualidade do leite e as boas práticas na produção, conforme as Instruções Normativas vigentes, com ações desenvolvidas em parcerias público-privadas com cooperativas e órgãos como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).

“Mas a gente observa que a gestão da propriedade é uma questão importante que precisa ser trabalhada, pois o produtor sabe como produzir, mas tem dificuldade em gerenciar e ter o melhor resultado. É a partir disso que muita coisa pode evoluir. Muitas vezes o produtor não sabe dizer o quanto gasta e nem o quanto ganha”, diz Haley.

Ele reforça que iniciativas como o projeto “ Caçapava Mais Leite” facilitam a ação da CDRS, podendo motivar outros municípios a adotar a mesma prática. “O município engajado facilita nosso trabalho. No caso de Caçapava, já há um convênio com a prefeitura, que permite que seja disponibilizado um técnico para acompanhar o projeto e o compartilhamento do prédio e de um veículo da Secretaria”, arremata.

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