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Uma queijaria atracada num porto, onde recebe o leite coletado de vários produtores ribeirinhos

AMAZONAS

Queijarias flutuantes

trazem inovação e formalização

Amazonas cria sistema de produção ajustado à realidade local com suas estações de cheia/seca e atrai pecuaristas de leite ribeirinhos

Luiz H. Pitombo

Cerca de cinco anos atrás foi inaugurada a primeira queijaria artesanal flutuante com inspeção estadual (SIE) do Amazonas e a única da qual se tinha notícia no País. Montado sobre uma espécie de balsa, o sistema permite acompanhar o deslocamento do gado, que, entre agosto e janeiro, fica em ricas pastagens das várzeas na baixa dos rios, e, de fevereiro até julho, na cheia, é transferido para a terra firme.

As instalações, respeitando normas sanitárias regionais, permitem a formalização do queijo e que o produto circule e chegue a outros municípios, incluindo a capital, Manaus, maior centro consumidor regional, com mais de 2 milhões de habitantes.
Atualmente, já existem 12 dessas queijarias flutuantes ativas com SIE no estado, nas regiões de Autazes, Careiro da Várzea e Parintins. Outras devem ser inauguradas em breve e existem também as que estão em fase de regularização. É utilizado tanto o leite bovino como o de bubalino, sempre que estes estiverem por perto, mesmo porque são adaptados ao alagado e procurados pelo maior valor agregado que seus derivados atingem no mercado.

No total, existem no estado 33 laticínios com inspeção estadual que produzem 85.600 kg/mês de queijos, grande parte coalho e queijo manteiga, os mais tradicionais e apreciados, bem como o minas frescal e a muçarela. Inexistem plantas com inspeção federal (SIF) e a maior parte do queijo consumido vem de fora, sendo elevada também a produção informal, o que mostra o potencial de crescimento da produção inspecionada.

O trabalho de regularização, que inclui laticínios de terra firme, faz parte do projeto chamado de “Rota do Queijo”, realizado pela Secretaria de Estado de Produção Rural (Sepror) e suas divisões (Idam, Idaf e Seapaf). O objetivo é acompanhar o processo de formalização e orientar quanto às boas práticas de ordenha e de fabricação, para ofertar um produto final com qualidade ao consumidor. Parte dos queijos tem sido direcionada à merenda escolar.

Cardoso: A formalização é necessária devido à baixa qualidade do queijo de produtores. Graças a ela, a produção de queijos vai crescer, podendo ser comercializado em outros estados e mesmo para países vizinhos

Valdenor Pontes Cardoso, presidente Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (Idam), ressalta a necessidade da formalização ante a baixa qualidade dos queijos de muitos pecuaristas e aposta no crescimento dessa produção para a venda também a outros estados e mesmo para países vizinhos, como Colômbia e Venezuela, indicando particularmente o mercado de muçarela de búfala. Ele conta que empresários de vários setores têm se reunido para se organizar e ir mesmo mais longe, assim que as áreas livres de febre aftosa sem vacinação forem reconhecidas e aumentarem no estado.

O custo de instalação das queijarias flutuantes artesanais, com capacidade de processamento autorizada de até 1 mil litros de leite/dia, tem ficado em torno de R$ 150 mil, incluindo o flutuante e os equipamentos. “Para quem tem muito é pouco, mas para quem tem pouco é muito”, reconhece.

O presidente do Idam avalia que na questão ambiental o destino do soro resultante da fabricação do queijo foi resolvido com seu fornecimento na alimentação animal das propriedades. Além disso, foi garantido o manejo adequado de outros efluentes. Na parte da pecuária, Cardoso acrescenta que o problema com as pastagens está sendo superado com a adoção do pastejo intensivo rotacionado, que chega à lotação de 8 cabeças por hectare.

Para este ano, Cardoso conta que devem avançar com o projeto, oferecendo a mecanização do trabalho com as pastagens de terra firme de maneira subsidiada. O produtor arcará com apenas 15% desses custos e 50% do valor do calcário. “É um atrativo enorme e muitos estão interessados”, salienta.

As queijarias flutuantes têm de estar em conformidade com a nova legislação para garantir produtos de qualidade e seguros ao consumidor

Necessidades e legislação – A médica veterinária Sinara Albuquerque, técnica do Idam que atua na articulação dos trabalhos desde seu início, conta que no mapeamento das áreas ribeirinhas foi identificada a vontade de formalização da produção de queijos para ampliar mercados, bem como a necessidade de viabilizar o deslocamento aos pontos de produção na baixa e na cheia.

Ela conta que, além de produzir queijos nas próprias residências de maneira rústica, já existiam produtores que utilizam as balsas para produção e deslocamento, mas em área aberta e sem condições sanitárias. “Assim, pensamos que seria uma boa alternativa a possibilidade de se ter uma unidade de produção com equipamentos e higiene adequados e que se deslocasse”, diz. Os projetos são elaborados e fornecidos pela Rota do Queijo para que os interessados obtenham financiamento junto ao Banco do Brasil ou outra linha disponível, em caso de necessidade.

A legislação sanitária precisou ser adequada por meio de decreto estadual e novas alterações estão sendo discutidas, como aponta Sinara Albuquerque, pois reconhece que ainda existem aspectos a serem trabalhados visando facilitar sua adoção. Ela avalia que tem contado com a colaboração parlamentar sensível aos desafios, pois lembra que as normas estão baseadas na realidade de outros estados.

As queijarias flutuantes são autorizadas a se deslocarem de um ponto a outro, mas sempre informando o local fixo onde estarão para a fiscalização estadual. Geralmente, a unidade é tracionada pela própria balsa específica para o deslocamento animal, quando as vacas mudam de pasto.

O leite costuma ser recolhido pela queijaria por lanchas após a ordenha, que é realizada às 4 horas, quando a temperatura está mais amena. O produto chega na plataforma fluvial e, caso esteja mais ácido, é destinado à produção de coalhada ou doce de leite.
Ela conta que, embora existam as queijarias flutuantes, que processam 700 mil litros de leite/dia ou menos, a maioria chega aos 1 mil litros/dia, recorrendo para isso à produção da vizinhança. A maior parte é de queijos coalho e minas frescal, mas Sinara defende que se poderia avançar para outros, como a muçarela. “Existe espaço para a formalização e, com isso, atingir outros mercados nesse processo de verticalização da produção feito pelos pecuaristas ribeirinhos em busca de maior ganho”, diz.

O mais importante desafio que os produtores têm enfrentado, segundo a veterinária Sinara, é quanto à regularização do Cadastro Ambiental Rural (CAR), sem o qual não se obtém financiamento para a aquisição dos equipamentos e construção da balsa. “A maioria dos produtores deseja se formalizar, mas tem dificuldade”, avalia.

Com a queijaria atracada em determinado local, barqueiros vão recolher o leite dos produtores ribeirinhos da vizinhança

Adaptação e mercado – A Queijaria Emporium, na comunidade Novo Céu, em Autazes, existe há quatro anos e foi umas das primeiras a adotarem o novo sistema com SIE – o Selo de Inspeção Estadual.

Hoje, com produção diária total própria de 400 litros de leite de bovinos e 500 litros de bubalinos, obtém de 70 a 80 quilos/dia de queijo coalho. Normalmente, o queijo é direcionado a churrascarias em Manaus, transportado parte por hidrovia e parte por rodovia.

O fato de haver propriedades leiteiras tanto na várzea como em terra firme, o que traz a necessidade de se deslocarem os animais, foi um dos fatores determinantes na escolha do modelo de queijaria flutuante. Estacionada em locais estratégicos, um dos funcionários fica responsável por recolher e levar o leite até a queijaria, com produção constante o ano todo.

O outro dado importante foi a possibilidade de formalização e, com isso, poder comercializar o queijo para outros municípios. “A legalização foi e é primordial”, salienta Eliana Oliveira Chagas, médica veterinária e produtora de queijos. Ela aponta como exemplo o maior prazo de validade que consegue dar ao produto, que vai para 40 a 60 dias.

A adaptação às normas da inspeção sanitária não foram difíceis, em razão da sua própria formação, mas reconhece que muitos produtores têm problemas e ofertam um produto sem padrão sanitário, influenciado também pela questão dos custos elevados para a formalização.

Eliana não se posiciona contra os queijos artesanais de leite cru, ao contrário, afirma que gostaria que ocorresse na legislação do estado o processo de mudanças que acontecem em Minas Gerais, favorecendo o produto.

Por uma questão de preços de mercado, a empresária conta que, no início de setembro, havia interrompido temporariamente a produção de queijo inspecionado e retornado ao queijo coalho artesanal para consumo local. Ela explica que seus custos de produção estão elevados e que as churrascarias não pagam mais do que R$ 25,00/kg, preço que consegue no mercado local pelo outro produto e a um custo de produção menor. Contudo, lembra que a situação é circunstancial e que seu valor costuma ser menor, por vezes chegando a R$ 6,00/kg. “Quando compensar volto a fazer o coalho melhorado”, afirma. Dentre seus planos também está o aumento da produção de leite e consequentemente de queijos, que é o real negócio do empreendimento.

Sinara: a legislação sanitária estadual precisou ser adequada e novas alterações estão sendo discutidas para atender às necessidades dos produtores ribeirinhos

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