No universo da produção brasileira de queijos de qualidade, os queijos artesanais, das pequenas propriedades familiares, vêm ganhando um grande destaque nos últimos anos, inclusive em âmbito mundial. Haja vista o grande número de premiações em concursos internacionais. Além de agregar valor à atividade leiteira, esse segmento prima também pela variedade de seus produtos. Aliado a isso, para garantir seu negócio e ganhar espaço no mercado, os artesãos de queijos tiveram de inovar no marketing e na comercialização de seus produtos. Com sinalizações de terroir, indicação geográfica e autoria, ganharam as redes sociais, as vendas online, além de estarem sempre presentes em degustações em feiras e outros eventos.
Tais ações têm dado ampla visibilidade ao segmento, o que faz com que os produtos cheguem ao consumidor, contornando a necessidade de uma logística cara, cujo custo é praticamente inviável para os pequenos produtores familiares.
Para o presidente da Associação Paulista do Queijo Artesanal (APQA), Christophe Faraud, o principal gargalo é exatamente a logística, pois a refrigeração (cadeia do frio) precisa ser mantida desde o armazenamento até o consumidor final. Sua queijaria, que produz cerca de 250 quilos de queijos finos por mês, fica no município de Natividade da Serra, nas encostas da Serra do Mar. Ele lembra que a legislação exige que o queijo, depois de embalado, seja refrigerado, mantendo a temperatura em 4 graus, durante todo o percurso até chegar o consumidor final. “É a nossa maior dificuldade e o maior desafio”, diz ele.
Mas antes de pensar na entrega, há que se pensar em como fazer para que o consumidor chegue até o produto, seja por canais de venda direta ou indireta, tendo o produtor que escolher suas estratégias de acordo com sua realidade. “Um caminho é a venda na própria fazenda, pois, além de agregar valor, ele se livra desse problema da cadeia do frio”, diz.
Isso, assim como outras ações promocionais, depende, segundo Faraud, da habilidade em trabalhar com as mídias digitais e as redes sociais para divulgação e, muitas vezes, também da localização da propriedade, com vantagens para as que já estão inseridas em municípios ou regiões turísticas, que aproveitam o fluxo de visitantes que já existe.
“Se esse fluxo não existe, temos que criá-lo e trabalhar como destino turístico e não individualmente”, avalia. Por isso, diz, é muito importante estimular o turismo regional, pois raramente alguém sairia de São Paulo ou do Rio de Janeiro, por exemplo, exclusivamente para comprar seu produto, sendo ideal, portanto, que haja um roteiro com vários atrativos.
No seu caso, Faraud mantém um pequeno centro de vendas na capital paulista, de onde monta e distribui os pedidos vendidos pelo site ou whatsapp, garantindo com isso que a cadeia do frio não seja quebrada e que o produto chegue com qualidade ao comprador.
Feiras e eventos – As feiras são outra forma de atingir o consumidor, com a vantagem de ele poder degustar o produto. “Eu uso essa terceira forma para alimentar as outras duas. Na feira, o cliente conhece o meu produto, compra, me dá seu contato ou pega o meu, começamos um relacionamento e ele pode encomendar quando quiser.”
A feira e o que vem depois dela, segundo Faraud, tem sido a fórmula que mais funciona para ele, melhor até mesmo que o Instagram. “Hoje é a nossa melhor fonte de comercialização.” Já o site funciona como loja virtual, facilitando os pedidos e o whatsapp como um canal de contato com o cliente. Ele enxerga o Instagram como ferramenta a ser usada para divulgar todos os demais canais: da fazenda às feiras e vendas indiretas ou as parcerias com lojas e queijistas, que viabilizam atender o Brasil todo. “É uma rede que consegue atrair o consumidor para as lojas e chamar a atenção dos queijistas de outras regiões.”
Histórias que vendem – Com quase 100 mil seguidores, o casal Yentl Delanhesi e Paulo Lemos, da Fazenda Lano-Alto, localizada no distrito de Catuçaba, em São Luiz do Paraitinga (SP), vê no Instagram a principal ferramenta para se manter presentes junto aos consumidores fiéis ou chegar aos que ainda precisam ser conquistados.
Eles vieram da capital paulista há cerca de 15 anos, quando decidiram “mudar de vida” e se estabelecer na fazenda – autodefinida como “fazenda experimental que rende experiências, eventos e produtos sobre a vida rural e seus saberes”. Por serem do ramo de comunicação, sabem como trabalhar o próprio marketing para atingir estrategicamente o mercado. Essa experiência, aliás, é tema de um workshop criativo online que eles oferecem ao público que quer aprender com as suas vivências.
A produção de queijos – o principal negócio da fazenda – começou em 2016, como algo experimental, mas estimulada pelo uso das mídias sociais que vem desde que começaram a mostrar na rede seus aprendizados diários. “Quando começamos a vender, já tínhamos uma grande base de seguidores e até hoje, a grande maioria do nosso público é de clientes finais, que compram pelo site”, conta Lemos.
Mas, conforme diz, as redes sociais exigem constantes atualizações, pois estão sempre em mudança. “Entrar nas redes sociais sem ter um objetivo claro e algum conhecimento em geral não leva as pessoas a conseguir o resultado esperado. Esse é um mercado muito específico, que a toda hora muda alguma coisa”, revela.
Nas redes sociais, a Lano-Alto possui dois focos: os conteúdos orgânicos, com dicas e relatos sobre o dia a dia da fazenda, e o tráfego pago, que são os anúncios. “Não conheço ferramenta melhor que o Instagram para promover um produto artesanal como os queijos.” Lemos entende que o produto artesanal hoje é “4D”, sendo sua história a quarta dimensão. “O cliente está interessado em saber de onde ele vem, como é feito, quem faz. Aí é que a gente se coloca e se diferencia.”
Carona – O relacionamento com os clientes na Lano-Alto começa nas redes sociais e se afunila com a venda do produto e, segundo Lemos, de 96 mil seguidores, pelo menos 6 mil já compraram, muitos de forma recorrente, o que representa um retorno médio de 48%.
O mix de produtos inclui doce de leite, iogurte, manteiga, ricota e requeijão de prato, receita tradicional da região serrana do Vale do Paraíba, que carrega junto consigo sua história centenária, além dos queijos maturados Causo e Romano, ganhadores de medalhas super ouro e ouro, no último Mundial de Queijos, no ano passado. Os produtos podem compor combos ou caixas de assinatura ou serem comprados individualmente.
As encomendas são retiradas diretamente na fazenda e no caso de cidades como São Paulo e Grande São Paulo, os próprios compradores e assinantes se organizam em caronas de entregas. “Foi uma solução que eles próprios encontraram e toda semana eles retiram as encomendas feitas no site e entregam diretamente no endereço de outros clientes”, explica.
Pioneirismo – Foi do “tropeiro digital” Osvaldo Martins de Barros Filho, bisneto de um tropeiro tradicional, que comprava queijos e, no lombo de burros, os levava para revender principalmente no Vale do Paraíba, a iniciativa de “abrir a porteira” do mercado, de forma digital, para vender os queijos da pequena Alagoa, município do sul de Minas, terra de um dos melhores queijos artesanais do mundo.
O negócio começou em 2009 para ajudar um produtor e resultou na marca Queijo D’Alagoa, que hoje tem parceria com dez famílias, sendo o negócio sustentado graças à presença digital de Osvaldinho, como é conhecido. Também a agência local dos Correios só continua aberta por causa das encomendas despachadas para todo o País.
“Quando começamos, a internet aqui ainda era discada”, relembra o empresário, que diz ter recebido inspiração divina para criar o seu negócio de venda de queijos via internet. Ao verificar que ninguém fazia isso, pediu apoio ao Sebrae, que o ajudou a fazer o plano de negócios, e iniciou suas vendas.
Em seguida, procurou os Correios para despachar os queijos e montou um blog que nos três primeiros meses vendeu só três peças, número muito distante das 3 toneladas/mês que entrega atualmente. Diariamente, o volume de queijo produzido e vendido no município é de 3 toneladas, a maior parte comercializada de outras formas, sem ser necessariamente virtual. “É uma questão de opção, ou seja, ou o produtor escolhe vender seu queijo virtualmente, produzindo conteúdo e cuidando das suas redes sociais, ou alguém vende por ele ou compra dele e revende”, diz.
O ano de 2017, segundo o queijista, quando produtos locais conquistaram prêmios mundiais na França, foi um divisor de águas e colocou Alagoa num patamar internacional, inclusive impulsionando o turismo local. “Nos últimos 12 meses recebemos mais de 500 turistas, apesar da dificuldade de acesso”, diz.
Nas redes – Na pandemia foram as redes sociais que também salvaram os negócios. “Fizemos a campanha SOS Queijo D’Alagoa e comercializamos queijos para o Brasil inteiro, escoando nossa produção e ajudando outros produtores.”
Osvaldinho também se reporta às restrições cada vez maiores das redes sociais na entrega de conteúdos, forçando os anúncios pagos. “Sempre trabalhei de forma orgânica, mas, hoje, de nossos 74 mil seguidores, poucos recebem os conteúdos”, diz.
Por isso, após ter iniciado no Facebook e Twitter, aderiu ao Instagram e ao Linkedin e passou a utilizar o whatsapp, que hoje é fundamental para seu negócio. “Nossa principal mídia é o Instagram, porque dá visibilidade aos produtos, mas a conversa com os clientes acontece pelo whats e um pouco ainda por e-mail”, revela.
Para atrair o consumidor, nas redes sociais ele busca apresentar conteúdos que contextualizem localmente o produto e contem a história dos queijos que vende. “Nosso queijo não é industrial, nem feito em alta escala e por isso o cliente gosta de saber da sua história.”
Desde 2012, a empresa tem a sua loja virtual que facilita as compras e o pagamento das encomendas que chegam principalmente do eixo SP- RJ-MG e de Estados como Goiás e Espírito Santo, mas também de outras partes do País.
Segundo Osvaldinho, enviar os queijos pelos Correios não prejudica a qualidade final do produto. “Nosso queijo é embalado a vácuo e consegue ficar sem refrigeração por um bom tempo, mas a boa notícia é que as transportadoras estão cada vez mais próximas do produtor.”
Ele planeja, em breve, num sítio de 3 hectares de sua propriedade, construir uma nova loja física e montar uma queijaria-escola, para fabricar seu próprio queijo e ensinar mais pessoas a fazer o produto. “Atualmente sou queijista e faço maturação de queijos de produtores locais, mas logo terei o meu próprio queijo.”
Queijistas, segundo definição do comerciante Falco Bonfadini, presidente da Comerqueijo – associação que reúne queijistas brasileiros – são os profissionais que fazem a conexão do produtor com o consumidor final.
“E a gente busca fazer isso de maneira justa e correta, de forma que facilite essa interação”, completa Bonfadini, que, junto com a esposa, Márcia Barbosa, é proprietário da Galeria do Queijo, loja tradicional aberta há 28 anos na capital paulista, onde vende mais de 150 tipos de queijos artesanais de todo o País, inclusive da Ilha do Marajó.
A logística e onde e como o queijo será comercializado, ou seja, quem vai receber, transportar adequadamente e promover o produto na outra ponta, são os principais desafios, avalia.
Ele entende que ainda há muito a ser ajustado e sugere como uma solução ideal o desenvolvimento equilibrado da cadeia como um todo, que permita a multiplicação de lojas em São Paulo, por exemplo, para ficarem mais próximas dos consumidores, que iriam buscar nelas seus produtos. “Isso vale para todas as grandes cidades e o produtor indicaria ao cliente a loja onde pode encontrar o seu queijo.” Dois conceitos, segundo ele, podem definir ao consumidor o que é um queijo artesanal, baseados em duas frases que ele expõe na loja e em suas embalagens: “Queijos contam uma história” e “queijos com alma”. Segundo essa sua visão, quando o consumidor compra um queijo artesanal compra a história, às vezes de gerações. “Cada vez mais ele está interessado em saber sobre isso e busca variedade e o queijo artesanal entra para oferecer o que é diferente.”
Bonfadini ressalta ainda que é muito importante o papel das redes sociais – no seu caso, o Instagram é a mais utilizada –, mas os eventos em lojas, degustações e os prêmios e feiras são canais para dar visibilidade e fazer com que todas essas informações cheguem ao consumidor final e o sensibilizem ao consumo.
“É assim que a gente chega nele, mas o contato pessoal também é muito poderoso, enquanto as redes sociais são o caminho para levá-lo aos lugares”, diz. No seu caso, além do Instagram, o whatsapp também passou a ser bastante utilizado a partir da pandemia, se consolidando como um dos seus principais canais de venda.
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