balde branco

O pequeno produtor de leite e de queijo tem de buscar informações e conhecimentos permanentemente sobre novas tecnologias, mercado, história do queijo, seus diferentes tipos, suas características nutricionais e os benefícios à saúde. E muitíssimo importante: se unir a outros produtores numa associação para facilitar a busca de conhecimento e fortalecer a atividade em sua região.

ENTREVISTA

JOÃO CARLOS LEITE, presidente da Aprocan

Queijos artesanais:

Uma arte que agrega valor ao leite

Guardião das tradições do queijo da Serra da Canastra é o que define a missão de João Carlos Leite, produtor de queijo Canastra, na fazenda Roça da Cidade, em São Roque de Minas (MG), e presidente da Associação dos Produtores de Queijo da Canastra, a Aprocan. Formado em Agronomia, tem dedicado sua vida à preservação dessa tradição e em aprofundar conhecimentos sobre esta “arte” e o jeito próprio de produzir queijos artesanais. Ele também é presidente da Associação Mineira do Queijo Artesanal (Amiqueijo) e do Sicoob Saromcredi.

Balde Branco – Para o produtor de leite, pode ser uma boa oportunidade entrar no segmento de queijo artesanal como forma de agregar valor à atividade?

João Carlos Leite – Pensando em termos de mercado, de modo geral, vemos que o leite é um produto de escala. No caso de pequeno produtor, cuja produção é pequena, o transporte é caro, a energia é cara, a nutrição é cara, etc. Tudo isso acaba rebaixando sua rentabilidade. Sem ser especialista nesse mercado de leite, vejo que é um produto para médios e grandes produtores, em determinadas regiões. Então, quando falamos de queijos artesanais, produzidos nas pequenas propriedades, aí, sim, é um produto que agrega valor ao leite desse pequeno produtor. Isso é possível de ser feito no Brasil inteiro, em quaisquer condições, próximo ou longe do mercado. O valor agregado que o queijo traz ao leite acaba compensando o custo do transporte e da logística de venda. Como na Europa, entendo que, para a sobrevivência de uma pequena produção de leite, é necessário agregar valor ao produto, e uma das melhores opções que enxergo é a produção de queijos artesanais.

BB – O que um produtor que queira entrar nessa atividade precisa saber para começar e fazer bem feito?

JCL – A primeira coisa para quem quiser migrar para a produção de queijos artesanais é procurar conhecer bem o segmento. Antes de mais nada, precisa buscar conhecimentos sobre como produzir queijos, estudar, fazer cursos e trocar ideias com especialistas no assunto, até dominar todo o processo de fabricação. E, para iniciar nessa produção, deve dispor de um leite da mais alta qualidade, o que pressupõe ter um rebanho sadio, segundo os protocolos de sanidade, com nutrição adequada e um processo de ordenha que atenda aos padrões das normas sanitárias e de qualidade. Mesmo que esse produtor more numa região com alguma tradição de produção de queijos e ele já tenha alguma noção dessa atividade, mesmo assim deverá buscar aprofundar e aprimorar seus conhecimentos, inclusive no que se refere à legislação referente a queijos artesanais. Outro ponto fundamental é estudar o mercado, para saber onde e como poderá comercializar seu produto.

BB – Além desses conhecimentos técnicos de produção, será preciso também aprender algo mais específico para chegar a um produto diferenciado, não?

JCL – Sem dúvida, pois o queijo artesanal não se resume àquela receita simples de fazer o queijo frescal. É fundamental conhecer bastante o processo da maturação do queijo feito com leite cru para agregar mais valor ainda a seu produto. É um círculo de conhecimento que é preciso dominar para se conseguir produzir um produto diferenciado. Para produzir queijo artesanal de qualidade, o produtor deve seguir quatro recomendações básicas: 1 – Dispor de água potável na queijaria; 2 – Animais livres de zoonoses, pois vaca sadia, leite sadio, queijo sadio; 3 – Boas práticas de ordenha e produção; 4 – Rastreabilidade para poder aplicar em seu produto, que vai garantir a origem dele, na mesa do consumidor. Vale lembrar que a maturação do queijo vai expressar e identificar aquele produto como único e raro e, por ser raro, agrega maior valor. Em linhas gerais é isso o que esse produtor deve ter em mente. Buscar informações e conhecimento e nós, da Aprocan, nos colocamos à disposição para orientá-lo.

BB – Há diferença entre os queijos artesanais comuns, produzidos em muitas propriedades leiteiras, e os queijos artesanais com terroir em determinada região?

JCL – Vamos dizer que o queijo expressa o ecossistema ou o terroir (este seria a soma desse ecossistema em que está inserida a produção leiteira, a raça e ainda a maneira de fazer esse queijo e seu processo de maturação). Exemplificando: a vaca que come o capim, bebe a água e respira o ar da Serra da Canastra ingere uma flora microbiana, uma carga de elementos minerais que vão para seu rúmen e se transformam em leite. Neste leite é colocado o coalho, e dessa coalhada é feito o queijo fresco, que já pode ser consumido. Isso, por si só, já agrega valor. Agora, buscar um diferencial depende da tecnologia de produção, cujo ponto essencial, que vai proporcionar a diferenciação, é o processo de maturação. À medida que o queijo for maturando, aquela flora microbiana daquele terroir (bactérias, fungos e leveduras) vai se alimentar de gorduras, proteínas brutas, lactose, vitaminas, sais minerais, e produzir novos compostos orgânicos, que são proteínas, gorduras, lactose, vitaminas e minerais mais elaborados, que vão conferindo ao queijo sabores e texturas diferentes e únicas. Por isso, é possível fazer queijos de qualidade e diferenciados no Brasil todo. Daí ser importante também o produtor desses queijos saber sobre a degustação de seu produto, as harmonizações com outros alimentos e bebidas.

BB – Como foi o ano de 2020 para o segmento de queijos artesanais, ante tantos transtornos no mercado provocados pela pandemia?

JCL – Vou dizer que foi uma montanha-russa. Começamos o ano lá em cima, janeiro, fevereiro e início de março, com as vendas explodindo, até mesmo faltando produtos. Daí, de um dia para outro, acabou tudo. Lockdown. Fechou tudo, o turismo aqui na Serra da Canastra parou, as queijarias pararam, as encomendas das queijarias das grandes cidades cessaram… Mas depois, devagarinho, as coisas foram voltando ao normal e para nós, aqui na Canastra, fechamos o ano de 2020 numa condição boa, diria numa condição pré-início de 2020. Claro que isso se deve ao fato de que buscamos alternativas para superar a crise, o que nos abriu novos horizontes de comercialização de nossos produtos.

Para a sobrevivência de uma pequena produção de leite é necessário agregar valor ao produto, e uma das melhores opções que enxergo é a produção de queijos artesanais”

BB – Quais foram essas alternativas?

JCL – Uma delas é o potencial de venda de queijos pela internet, por meio das redes sociais. Isso já existia, mas era muito incipiente e poucos utilizam essa modalidade. Como ocorreu, por exemplo: a gente aqui tinha um amigo, um cliente que morava em São Paulo e então pedimos para ele divulgar nosso produto, com preços promocionais, no grupo dele do Whatsapp, Facebook e outras formas. Claro que havia todo um problema de logística, não tínhamos transporte e até mesmo pegamos carona com algum conhecido. Foi uma confusão, muito aprendizado, mas conseguimos desovar aquela produção armazenada de um mês de fabricação. Paralelamente a isso, cortamos ração, secamos as vacas, inclusive vendemos vaca, etc. e houve até mesmo produtores que venderam parte de sua produção de leite para a indústria e depois voltaram para a produção de queijo. Cada um foi se arranjando como pôde, “se virou nos trinta”, como se diz, para sobreviver. E sobreviveu e agora estamos com novas expectativas e muitas lições dessa crise. Terminamos o ano bem e a demanda continua crescente.

BB – E quanto à legislação que abrange a produção de queijos artesanais, que balanço você faz com as mudanças nos últimos tempos?

JCL – A legislação avançou. Se pensarmos que o primeiro passo foi em Minas Gerais, em 2002, quando era secretário (de Agricultura) Alisson Paolinelli, em que foi aprovada a Lei 14.185, que autoriza a produção e a comercialização de queijos artesanais dentro do Estado. Porém, pela lei federal, não poderiam ser comercializados fora das fronteiras mineiras. Por exemplo, passando a fronteira para São Paulo, tornava-se um produto proibido, já que não atendia às normas da fabricação agroindustrial dos queijos. A legislação federal criou uma situação jurídica constrangedora: o produto era o mesmo consumido pelos mineiros, mas não podia ser consumido pelos paulistas. Isso separava os mineiros do resto do País. A iniciativa mineira despertou o segmento das várias regiões do Brasil para uma reivindicação justa para seus produtos artesanais. Esse movimento não só dos mineiros, mas também dos outros Estados, ganhou força ao longo dos anos e após muitas batalhas, em junho de 2018 foi promulgada a Lei 13.680, a chamada Lei do Selo Arte, que regulamenta os produtos agroartesanais. Vale esclarecer: agroindustrial é o conceito em que o produtor vende a matéria-prima de origem animal para a indústria processar os derivados lácteos; já no agroartesanal, o produtor produz a matéria-prima de origem animal, beneficia e a transforma em queijos e outros lácteos e vende no mercado. Com essa lei, em todo o Brasil, o produtor pode fazer queijo de leite cru, tendo o Selo Arte estampado no rótulo, e comercializá-lo diretamente no mercado de qualquer região do País. Outra coisa importante dessa lei é que ela delega aos Estados conduzir a organização dessas cadeias de produtos agroartesanais, o que agiliza todos os processos necessários a essas cadeias. Ou seja, cada Estado vai legislar, reconhecer, inspecionar os produtos agroartesanais.

BB – Que balanço você faz do fato de a Abraleite abrigar a Comissão de Queijos e Derivados Artesanais, criada em 2018?

JCL – Cada produtor, em seu Estado, exerce uma força política junto ao Legislativo e ao governo, mas precisamos ter uma organização em âmbito nacional e conseguimos isso com o acolhimento da Abraleite, que tem tido um grande papel na defesa do leite brasileiro. E ela entende que defender o pequeno produtor é também preservar a tradicionalidade da produção de queijos. É fundamental isso. Posso ser pequeno produtor de leite hoje e amanhã meu filho diz que quer ser um grande produtor ou que seu objetivo é se tornar um produtor de queijos artesanais diferenciados. Isso tudo significa mercado para o negócio leite. E a Abraleite é a nossa representante de organização social e política dentro do Ministério da Agricultura e junto ao governo.

BB – E quanto ao projeto da Escola de Queijos Artesanais da Aprocan, fale-nos um pouco mais sobre essa iniciativa e que recado gostaria de deixar aos produtores?

JCL – A Aprocan está construindo a primeira escola de queijos artesanais do País para a formação de mestre queijeiro de leite cru. Não queremos ensinar a fazer queijos, mas estimular e aprofundar todo o conhecimento específico desse universo tão rico e pouco estudado cientificamente da produção de queijos artesanais em cada cultura, com seus diferenciais, inclusive o mercado desse segmento. A pandemia atrapalhou a conclusão das obras e sua inauguração, mas continuamos trabalhando firmes e logo teremos novidades. Quanto a meu recado para os pequenos produtores de leite e de queijos: busquem informações e conhecimentos permanentemente sobre novas tecnologias, sobre o mercado, a história do queijo e de seus mais diferentes tipos, as características nutricionais dos queijos, seus benefícios à saúde, etc. E isso está ao alcance de todos, na internet. É claro que, sob certos aspectos, esse estudo tem de ser feito na prática, numa instituição especializada. Então, nunca pare de estudar e trocar informações com outros produtores e especialistas. E muitíssimo importante ainda: se junte com os outros produtores numa associação para facilitar essa busca de conhecimentos e fortalecer a atividade na região.

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