Dadas as condições climáticas desfavoráveis para a criação de animais de origem europeia em regiões tropicais, o uso de animais zebuínos, principalmente o da raça Gir, é uma opção para muitos sistemas de produção de leite no Brasil. A fim de unir maior produtividade e adaptabilidade ao meio ambiente, o cruzamento das raças Holandesa x Gir surgiu como uma alternativa, com o objetivo de reduzir os impactos do clima tropical na produção e reprodução de bovinos em diversas regiões do Brasil. Atualmente, os animais Girolando apresentam significativa importância em sistemas leiteiros em regiões tropicais, devido ao seu crescente potencial genético, sendo que 80% da produção de leite no Brasil é atribuída a esta raça.
Apesar dessa grande contribuição para a produção de leite, trabalhos que relacionem as diferenças de metabolismo e comportamento alimentar de animais das raças Holandesa e Girolando ainda são escassos, assim como são poucas as referências encontradas na literatura em relação a exigências nutricionais de animais Girolando, que podem contribuir para a formulação de planos de nutrição inadequados, que comprometem a produtividade dos animais.
Fatores intrínsecos e extrínsecos, como idade e peso ao parto, mérito genético para produção, consumo, atividade e condições ambientais possuem diferenças entre as raças e têm influência no metabolismo dos animais. O conhecimento do metabolismo e do comportamento dos animais se torna fundamental para a determinação das exigências nutricionais e métodos de manejo alimentar.
Bovinos de leite são mais suscetíveis a doenças durante dois períodos de suas vidas: bezerros neonatos e vacas no pré e pós-parto. Esse segundo período compreende três semanas antes e três semanas após o parto e coincide com muitas alterações endócrinas, metabólicas e comportamentais que, quando não são bem coordenadas, podem acarretar aumento da incidência de problemas metabólicos e infecciosos. É, portanto, durante esse período que a vaca de leite deve ser alimentada e manejada estrategicamente para apresentar o mínimo estresse possível.
No início da lactação, a partição de nutrientes nas raças taurinas, por exemplo a Holandesa, prioriza a produção de leite em detrimento da manutenção da condição corporal, ocasionando maior severidade do balanço energético negativo, enquanto nas raças zebuínas (Bos taurus indicus), como o Gir, a produção de leite muitas vezes não é priorizada e o balanço energético negativo se torna imperceptível, não sendo raro observar ganho de peso logo após o parto. A resposta para os estímulos que causam a lipólise é maior para vacas taurinas de alta produção. Vacas zebuínas com adequado escore corporal ao parto parecem apresentar um balanço energético negativo de curta duração e menor magnitude com menor mobilização de reservas corporais comparado com vacas taurinas.
Novilhas Holandesas e Girolando F1 foram estudadas durante todo o período pré e pós-parto, recebendo a mesma dieta e com elevado escore de condição corporal (ECC) e peso corporal (PC) 4,0 pontos e 754 kg; 4,4 pontos e 823 kg, respectivamente. Entre as novilhas da raça Holandesa, 33% apresentaram as concentrações de BHB (beta hidroxibutirato) acima do limiar durante o período pré-parto, sendo 67% consideradas com cetose subclínica e 8% com cetose clínica no pós-parto. Em relação às Girolando F1, 67% apresentaram BHB acima do limiar no pré-parto e 50% apresentaram cetose subclínica no pós-parto, não sendo detectados casos de cetose clínica no pós-parto, mesmo essas novilhas estando com maior ECC e PC em relação às da raça Holandesa.
A não-detecção de casos de cetose clínica em animais Girolando F1 nesse estudo pode estar relacionada à metabolização do tecido adiposo. Animais taurinos (Bos taurus), como as vacas Holandesas, apresentam maior deposição de gordura visceral quando comparados a animais Bos taurus indicus, como as vacas Gir, que apresentam maior deposição de gordura subcutânea e menor tamanho e peso de órgãos internos. Assim, animais taurinos metabolizam a gordura mais rapidamente, já que a gordura visceral pode ser metabolizada de forma mais rápida e em maior quantidade do que a gordura subcutânea.
Estudando esses mesmos animais (Holandeses e Girolando F1) com alto escore de condição corporal durante o período de pré e pós-parto e analisando mais um grupo genético de animais Gir com alto ECC e PC 4,1 pontos e 567,8 kg, respectivamente, nas mesmas condições do estudo anterior, foi observado que as novilhas Girolando F1, apesar de apresentarem maior peso e ECC em relação às novilhas Holandesas e Gir, obtiveram menor valor para a proteína de fase aguda negativa (APP albumina e paraoxonase) em relação às novilhas Holandesas.
Essas APP são consideradas marcadores de origem hepática para um estado inflamatório, sendo que vacas com altos escores de condição corporal possuem APP mais altas. Entretando, isso não aconteceu em vacas Girolando F1 nesse estudo, o que sugere que elas apresentam menor suscetibilidade à ocorrência de inflamação relacionada às doenças metabólicas como a cetose. Diferentes hábitos alimentares entre animais Holandeses, Gir e Girolando F1 também devem ser considerados no desenvolvimento e na implementação de estratégias de manejo alimentar. Stivanin et al., 2021 e seu grupo de estudo observaram que, após o parto, as vacas Gir e Girolando F1 visitaram mais o cocho, mas permaneceram menos tempo e consumiram menos por visita do que as vacas Holandesas.
Novilhas Gir e Girolando F1 alimentadas com as mesmas dietas das Holandesas durante o durante o pré e o pós-parto possuem maior ECC e menor consumo de matéria seca (CMS) em relação às novilhas Holandesas. Em comparação com as novilhas Gir, as novilhas Girolando F1 tiveram maior ECC e CMS. As novilhas Holandesas tenderam a permanecer por mais tempo em cada visita com alimentação ao cocho e consumiram mais em cada visita em relação às demais raças, tanto antes quanto após o parto.
As diferenças no consumo entre as raças (Figura 1) provavelmente estão relacionadas às distintas exigências nutricionais para mantença associadas ao tamanho dos órgãos internos e à capacidade física do trato gastrointestinal. Animais taurinos, como as vacas Holandesas, devido ao maior tamanho e à atividade metabólica, bem como ao peso dos órgãos internos, apresentam maior exigência de mantença e capacidade ingestiva. Lembrando que, em animais ruminantes, o metabolismo, os padrões metabólicos de absorção, a mobilização de tecido adiposo, a oxidação hepática e a geração de energia afetam o consumo da dieta total, o tamanho e a frequência das refeições.
As maiores concentrações de IGF-1 e insulina em vacas Girolando F1 no pós-parto, quando comparadas a animais Holandeses, demonstram a grande capacidade de adaptação ao balanço energético negativo de vacas Girolando. Ao disponibilizarem glicose para a circulação por meio da gliconeogênese, a enzima metilmalonil-coa mutase (enzima responsável pela entrada do metilmalonil-coa no ciclo de Krebs para formar sucinil-coa e, consequentemente, a formação de glicose) se apresenta mais elevada no metabolismo de bovinos Girolando F1 em relação a bovinos Holandeses.
Comparando o metabolismo de animais das raças Gir e Girolando F1, as concentrações de glicose para Girolando F1 a partir do quarto dia pós-parto apresentam-se menores, provavelmente devido ao direcionamento de glicose para a glândula mamária para maior produção de leite.
Novilhas Girolando parecem permanecer em um patamar intermediário com relação às exigências nutricionais de mantença e partição de nutrientes após o parto, mais próximo ao padrão metabólico observado nas raças Bos taurus do que os padrões metabólicos das raças Bos taurus indicus, sugerindo que o mérito genético para produção de leite pode ser um dos fatores causais para as principais diferenças metabólicas entre as raças no período pós-parto.
As pesquisas nesta área sugerem que o metabolismo e o comportamento alimentar de vacas zebuínas e mestiças não reagem igualmente ao metabolismo de vacas Holandesas, ressaltando a necessidade de ofertas nutricionais e de manejo diferenciado durante o período de pré e pós-parto entre as diferentes raças, a fim de garantir o máximo de saúde, bem-estar e sustentabilidade em sistemas de produção de leite de países como o Brasil. (As referências bibliográficas estão com a autora: elissa.forgiarini@premix.com.br)
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