Quem visita pela primeira vez a propriedade da família Birck, localizada na linha São Jacó, no município de Estrela (RS), não imagina as reviravoltas que essa família já viveu. Mas o que marca e simboliza sua saga é muito trabalho e determinação. Originalmente, Paulo Jacob Birck adquiriu 12,9 hectares em 1979, onde construiu um galpão que servia de residência para a família, abrigo de equipamentos e local de ordenha de nove vacas. Naquela época, ele trabalhava no corte de mato e prestava serviços para outras propriedades.
Quatro anos depois, construiu um novo galpão de madeira com canzil e esterqueira, e já dispunha de ordenhadeira mecânica. A nova residência foi construída em 1984. O pai trabalhava fora, prestando serviço com um pequeno trator, enquanto a esposa, Glaci, juntamente com os filhos de oito e nove anos, cortavam manualmente milho e, com o auxílio de uma carroça, transportavam o pasto picado para tratar os poucos animais que possuíam.
Em 1994, já contavam com 21 vacas, porém passaram pelo desgosto de precisar abatê-las todas, pois quatro delas foram diagnosticadas com tuberculose. Ante tal situação, decidiram ainda fazer um vazio sanitário, inclusive removendo todas as baias de madeira. Após o impacto inicial, resolveram continuar na atividade leiteira e, então, começaram a comprar bezerras de propriedades de excelente genética.
Em 1997, construíram a sala de ordenha que é utilizada até hoje. O filho Paulo Roberto, conhecido por Paulinho, ao retornar do serviço militar no ano 2000, decidiu permanecer junto à família na propriedade rural, que naquela época abrigava cerca de 18 vacas, que produziam 200 litros dia, em média, sendo tocada por Paulo Jacob, Glaci e Paulinho.
Paulinho fez curso de inseminação artificial, quando começou o melhoramento genético do próprio rebanho. Eis que em novembro de 2003, quando a propriedade já alcançava a produção de 500 litros de leite por dia, ao “puxar” a última carga de esterco do aviário da propriedade vizinha, o reboque com mais de seis toneladas de esterco cedeu em um aclive da estrada da linha São Jacó. Preocupado em não atrapalhar o trânsito, pediu ao pai que buscasse um macaco hidráulico forte o suficiente para erguer o reboque com a carga.
Quando retirava o último parafuso do eixo, que pretendia soldar e recolocar para terminar o serviço, o reboque cedeu e caiu sobre seu corpo, prendendo as pernas e a coluna do jovem produtor. Nos 25 minutos em que esperou pelos bombeiros e o guincho para o socorro, permaneceu consciente, mas já imaginava que algo grave havia acontecido com seu corpo. Removido ao hospital, foram 30 dias de UTI e duas cirurgias nas vértebras, mesmo assim aquele jovem tão ativo ficou paraplégico.
No recomeço, enxergando a vida de outra forma, adaptou-se e celebrou cada pequena conquista nos desafios para superar cada empecilho que sua nova condição lhe apresentava. E foram muitos, mas sempre encarados com determinação. O cadeirante Paulinho deixou a propriedade para fazer o curso de técnico em Meio Ambiente, conquistando, em 2012, o diploma de tecnólogo em Agricultura Familiar e Sustentabilidade, pela Universidade Federal de Santa Maria (RS).
Dono de novos conhecimentos, ele se sentiu inconformado com o fato de que a propriedade da família permanecia produzindo os mesmos 500 litros por dia dez anos após o acidente que mudou sua condição de mobilidade. Então, decidiu voltar à propriedade para ajudar a família.
Retornando para a fazenda, em 2013, Paulinho diz que enveredou mais para a área de planejar e pensar a propriedade. O primeiro passo foi chamar seus dois irmãos, Pedro e Martina, que trabalhavam em propriedades próximas, para voltarem ao sítio da família, para, juntos, ajudarem o pai a desenvolverem a propriedade. Martina, juntamente com seu marido, Eri Henrique, foram morar no sítio da família Birck, onde realizam ordenha, cria e recria das bezerras e novilhas e todo o acompanhamento dos animais. Pedro continuou residindo em sua propriedade, onde tem criatório de suínos, a poucos quilômetros de distância da terra da família Birck, auxilia no trato diário dos animais e nos trabalhos de lavoura. Ao todo, plantam 45 hectares de milho para silagem, em áreas próprias e alugadas.
Paulinho Birck sempre foi uma pessoa ativa e continua como sempre foi em uma cadeira de rodas. Mesmo com limitações físicas, executa habilmente as atividades que lhe cabem. Para tanto, adaptou uma rampa em duas motos, formando um triciclo, que lhe permite subir, descer e ter acesso com a cadeira de rodas a todas as instalações pecuárias.
Busca de conhecimentos – Para prosseguir com seu plano de incrementar a produção leiteira no sítio, ele buscou o apoio da Emater do município, que o orientou sobre criação de bezerras, melhoramento genético, higiene e dieta dos animais, e em projetos de crédito para construção de instalações que permitiram aumentar e confinar o rebanho. Comprou um trator adaptado que lhe possibilita trabalhar na lavoura.
Também auxilia na ordenha das 72 vacas que produzem, na média do ano, 2.000 litros de leite por dia. Os cuidados com a qualidade do leite jamais são negligenciados: a CBT é de 7.000 ufc/ml, enquanto a CCS gira em torno das 300 mil CCS/ml. Em resumo, com seu retorno à propriedade, a produção de leite quadruplicou.
Na sala de ordenha, foram feitas algumas adaptações que ele mesmo instalou, como uma barra estrategicamente colocada que lhe serve de apoio do braço enquanto faz a desinfecção dos tetos das vacas, coloca e retira as teteiras da ordenhadeira, assim como a limpeza e desinfecção diária da ordenhadeira. E seu trabalho não para aí: também faz o casqueamento das vacas no tronco, empurra a comida das vacas no galpão de alimentação. Em época de ensilagem, trabalha no trator adaptado efetuando a compactação da silagem, entre outras ações.
Um ponto que faz questão de enfatizar é a adoção das boas práticas de produção (BPF), que trouxe ótimos benefícios para o sistema. E também é o responsável pela gestão e por todo o planejamento da propriedade, pagamento e organização financeira.
Paulinho também é muito atuante fora do sítio. É representante de uma cooperativa local e frequentemente, após a ordenha, visita produtores, dirigindo seu carro adaptado para todo canto. Por quatro anos, foi o presidente da “Vovolândia” (uma casa geriátrica de residência dos idosos da região). Atualmente ocupa o cargo de vice-presidente, pratica diversos esportes como canoagem, tiro esportivo na sociedade italiana, basquete com a equipe de cadeirantes de Lajeado, município vizinho, é treinador do time de futebol em que antigamente jogava com os amigos. Também foi vereador de sua cidade e criou leis que apoiam a permanência do jovem no campo.
Paulinho conta que tem um princípio de vida que está base de suas atividades: “Quando olho para a frente, não vejo a minha cadeira de rodas, só vejo o que precisa ser feito, então vou lá e faço”, acrescentando que nunca teve depressão ou precisou de psicólogo. “O que tive foi o apoio da minha família e dos meus amigos, que nunca tiveram vergonha de mim, e sempre me apoiaram.”
Na conversa com a família Birck, constatamos que todos buscam o mesmo objetivo. Martina fala que o irmão mostrou que nada é impossível de ser realizado, “não podemos reclamar de nada, ele nos mostrou que não precisamos reclamar”. Já o pai diverte-se contando que às vezes o celular toca, é Paulinho ligando da lavoura, onde vai fazer vistorias, de lá o filho pede ao pai que vá ajudá-lo a desatolar o triciclo adaptado para a cadeira de rodas. Nesses momentos se percebe quão unidos são e como se tornaram peças interligadas de uma engrenagem de sucesso.
Perguntado sobre o futuro da propriedade, o produtor cadeirante, de recém-completados 40 anos, diz que pretende aumentar a produtividade por animal, profissionalizando cada vez mais atividade. O que já comprovou que é capaz, junto com a família. Olhando para um futuro não distante, no radar de seus planos, encaixa-se a instalação de ordenha robotizada, porém – faz questão de frisar – cada decisão é “colocada na mesa e discutida com a família”.
Sobre o quesito dificuldades, ele diz: “A maior dificuldade na vida é a falta de apoio da família. E esse não é o meu caso, pois a nossa união, somada às outras coisas, fazem a nossa vida ter sentido, nos fazem seguir em frente todo o dia”.
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