Considerada uma falha na eliminação das membranas fetais nas primeiras 12 horas após o parto, a retenção de placenta ocorre pela incapacidade de separação da conexão vaca e feto. A retenção de placenta é uma doença do trato reprodutivo bovino e sua ocorrência varia, aproximadamente, de 1,9% a 39,2%. Em vacas destinadas à produção leiteira, a incidência normal é estimada em torno de 5%.
Compreender como se dá a constituição e a forma como a placenta é expelida é importante para entender as diferentes causas responsáveis pela retenção (veja o quadro).
Na fase final da gestação ocorre a maturação da placenta, fase importante para sua expulsão após o parto. Os estágios fisiológicos do nascimento de bezerros durante o parto incluem a dilatação do canal da vaca, saída do feto e expulsão das membranas fetais.
Após o parto, para que a vaca esteja apta a conceber novamente, é preciso que ocorra a involução uterina, a regeneração do endométrio, a eliminação do conteúdo bacteriano do útero e a retomada da atividade cíclica do ovário. O risco da ocorrência de doenças uterinas é maior quando há falhas em um ou mais processos, diminuindo a fertilidade de vacas leiteiras. Também fatores endócrinos, imunológicos, genéticos, de manejo e suas interações contribuem para o aumento na incidência de infecções uterinas.
Doença com diversas causas – A retenção de placenta é uma doença com diversas causas, entre elas dificuldades no parto como distocias, partos de dois ou mais fetos, natimortos, bezerros nascidos muito grandes, abortos, deformidades placentárias, deficiência de vitamina E e selênio, processos infecciosos que reduzem a resposta imune como a brucelose, campilobacteriose, herpes vírus, consanguinidades e problemas de manejo associados ao estresse e ao ambiente.
O sinal clínico mais observado em vacas com retenção de placenta é a presença de envoltórios pendentes na vulva. Entretanto, estes podem permanecer no útero e não serem visíveis durante a inspeção visual, comprometendo o diagnóstico e o estado geral dos animais.
Os sinais mais registrados são cólicas de intensidade alternada de acordo com o andamento da doença, esforço para expulsão e, a partir do terceiro dia, tem início a putrefação das membranas uterinas e liberação de fluxo vulvar fétido de coloração característica cinzento-amarelada.
A retenção de placenta está relacionada à diminuição da produção leiteira, da fertilidade, aumento do risco de metrites e endometrites, cetose e mastite. Podem ocorrer sequelas como a endometrite crônica, piometria, salpingite, ooforite, metrite séptica aguda e peritonite. Tudo isso com o consequente aumento dos custos veterinários. Estudos demonstram que a queda na produção de leite varia de 0,3 a 0,7 kg/dia durante somente o primeiro mês após a retenção de placenta.
Problemas na fertilidade – A retenção de placenta tem interferência na duração do período de serviço de vacas holandesas, gerando atraso a nova concepção de até 27 dias. Em um estudo realizado por Nobre e outros colaboradores, foi indicado que a duração do período de serviço e o número de inseminações artificiais por concepção em vacas leiteiras mestiças primíparas não foram afetados pela retenção de placenta. No entanto, vacas multíparas com retenção de placenta apresentaram período de serviço 51 dias mais longo do que vacas sadias. Ainda de acordo com esses autores, vacas leiteiras mestiças multíparas com retenção de placenta precisaram de um maior número de inseminações para se tornarem gestantes do que as vacas que não apresentaram retenções.
Prevenção – Para a prevenção da doença diante das diferentes causas é necessário que haja um manejo nutricional e sanitário adequado ou a utilização de prostaglandina (PGF2α) nas primeiras horas pós-parto. A indicação da administração de PGF2α é de até uma hora após o parto, sendo eficaz na diminuição de incidência de retenção placentária, ao menos nos casos de partos induzidos com dexametasona. Estresse ou higiene precária são fatores que afetam a vaca leiteira na época do parto, especialmente alojamentos individuais. A complexidade na definição das causas, aliado à divergência quanto à eficácia dos tratamentos, enfatiza a importância da prevenção da retenção de placenta.
Considerando-se os fatores de risco que predispõem à retenção de placenta é necessário realizar o manejo adequado dos animais buscando evitar que esses fatores atinjam o rebanho. A inclusão de dieta mineral aniônica suplementada com selênio contribui para uma menor taxa de retenção placentária. Garantir o fornecimento de uma dieta balanceada em minerais e energia no período mais seco do ano e a profilaxia nutricional ao se aproximar do parto são estratégias para diminuir os riscos de ocorrência.
A placenta é a união do endométrio com as membranas fetais e é por ela que as trocas ocorrem entre a mãe e o feto na formação inicial dos mamíferos, além de outras várias interações. Na fase final da gestação ocorre aumento do cortisol fetal, em decorrência da maturação do feto. Esse cortisol é responsável pela migração de determinado tipo de células presentes na parte fetal para as membranas maternas da placenta, denominadas binucleadas. Essas células se caracterizam pela secreção de prostaglandina, que são atuantes na regressão do corpo lúteo.
Dessa forma, na fase final de gestação, quando a progesterona se apresenta alta, a presença de prostaglandina causará regressão do corpo lúteo, que, consequentemente, levará à diminuição da concentração plasmática de progesterona e aumento da concentração de estrógeno. Com isso, temos o desencadeamento de contrações uterinas.
À medida que reduz a concentração plasmática de progesterona e há aumento do estrógeno, inicia-se a expressão de antígenos MHC classe 1 que estão presentes nas criptas placentárias por células binucleadas, que são células que secretam prostaglandina. A partir da expressão desses antígenos, o sistema imunológico materno entende que o tecido da placenta é um corpo estranho, iniciando um processo de rejeição. Por esta razão torna-se essencial que o sistema imunológico da vaca esteja em perfeito funcionamento para que ocorra adequada expulsão da placenta.
Outra forma de reduzir os fatores de risco e, consequentemente, a retenção de placenta, é proporcionar aos animais conforto ambiental, evitando situações de estresse. O bem-estar das vacas, a redução do estresse no pré-parto e um adequado manejo nutricional, em especial no período de transição, são alternativas importantes para evitar a retenção placentária.
Já quanto ao tratamento com antimicrobiano, o indicado é a utilização de 2 a 6 gramas de tetraciclina na terapia intrauterina. É recomendado começar o tratamento em vacas que, com mais de 12 horas após o parto, ainda não eliminaram a placenta, diariamente, até que todo conteúdo seja expelido.
A remoção ou corte manual da placenta possui a vantagem de eliminar a possível fonte de infecção, evitar o mau odor e esteticamente ser mais apresentável. Porém, é preciso o máximo cuidado com essa prática, pois pode causar hemorragias uterinas, hematomas e trombos vasculares, sendo, por isso, uma alternativa pouco indicada.
As despesas causadas pela retenção de anexos fetais não são bem definidas devido à falta de um protocolo exato de tratamento. Desta forma, a maioria dos custos para o tratamento ocorre como consequência ao descarte do leite durante o tratamento, à diminuição da produção e aos valores veterinários. Prejuízo importante também é o aumento do intervalo entre partos, que diminui a taxa de vacas gestantes e, em casos mais graves, induz ao descarte de vacas de alta produção.
A ocorrência de doenças que afetam o trato reprodutivo da fêmea no pós-parto impacta na lucratividade da produção, uma vez que são responsáveis pelo aumento dos custos com tratamentos, descarte de fêmeas devido ao comprometimento da reprodução, reposição de vacas no rebanho e diminuição na produção leiteira. É notável importância a prevenção, o tratamento e o bem-estar dos animais. (No original, a autora cita referências bibliográficas. Os interessados podem solicitar à redação da Balde Branco).
*Zootecnista, mestra, doutora e pós-doutoranda pela USP. Atua no laboratório de Etologia, bioclimatologia e nutrição de animais de produção (bovinos, suínos e ovinos).
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