balde branco
revista-balde-branco-ateg-01-ed682

Animais do Rancho VCM vêm continuamente ganhando em produtividade, graças ao manejo sob orientação técnica

RIO DE JANEIRO

Programa de assistência técnica

impulsiona pequena produção de leite

O ATeG-Senar-RJ, num modelo pioneiro e inovador, vem transformando a vida dos produtores rurais, atendidos de forma individualizada

João Carlos de Faria

O Ministério da Agricultura define a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) como política que atua no cotidiano dos agricultores, construindo com eles soluções tecnológicas e gerenciais visando melhorar sua renda e qualidade de vida.

No entanto, segundo o Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 20,1% das propriedades rurais do Brasil recebem assistência técnica. Esse dado merece atenção, pois houve uma diminuição em relação ao censo anterior, realizado em 2006, quando a proporção de produtores que receberam orientação técnica era de 22%.

É nesse contexto e considerando a definição do ministério que os resultados apresentados por duas propriedades leiteiras localizadas no noroeste fluminense, assistidas pelo programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG), do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RJ), não deixam dúvidas sobre a importância dessa política pública para garantir renda e dignidade ao produtor e são um exemplo concreto da transformação que isso pode provocar nas pequenas e médias propriedades de leite.

Os sítios Esperança e Rancho VCM, de propriedade do casal André Medeiros e Cleidemar de Oliveira e de Vitor Castro Martins, respectivamente, localizadas no município de Cachoeiras de Macacu, que se tornaram referência do programa na região, têm em comum o fato de terem iniciado a produção há pouco tempo, sendo, portanto, relativamente inexperientes na pecuária de leite, mas apresentando resultados e avanços bastante representativos.

Além disso, o pequeno porte dessas propriedades, as características do rebanho e o sistema de produção refletem o perfil da maioria dos produtores assistidos pelo programa lançado pelo Senar em 2016, objetivando, sobretudo, dar sustentabilidade econômica às propriedades, num modelo pioneiro e inovador que transforma a vida dos produtores rurais, atendidos de forma individualizada.

André Medeiros: “Às vezes, estamos passando por cima do erro todos os dias e, numa única visita, o técnico nos desperta para a situação e traz a solução”

Luiz Roldão Menezes: “O trabalho é baseado em conceitos e práticas relativas a conservação e recuperação da fertilidade do solo, manejo rotacionado das pastagens e controle zootécnico e econômico do rebanho e da propriedade”

Segundo o zootecnista Luiz Roldão Menezes, responsável pela assistência a esses e a outros sete produtores, essa proposta surgiu com o treinamento de profissionais da área, como engenheiros agrônomos, veterinários, zootecnistas e técnicos agropecuários, dentro do projeto Balde Cheio, desenvolvido nacionalmente pela Embrapa Sudeste, sob a coordenação do pesquisador Arthur Chinelato de Camargo, visando à transferência de conhecimentos e tecnologias para o pequeno produtor de leite, sempre utilizando unidades de demonstração para a difusão dessas técnicas.

O trabalho é baseado em conceitos e práticas relativas a conservação e recuperação da fertilidade do solo, manejo rotacionado das pastagens e controle zootécnico e econômico do rebanho e da propriedade, utilizando-se de tabelas e anotações. Além disso, à melhoria do padrão genético dos animais; ao acompanhamento dos dados climáticos; à aplicação de práticas associativistas e ao uso de planilhas de custo de produção e controle zootécnico.

“O Senar aproveitou esses técnicos, que hoje atendem preferencialmente os pequenos produtores, em unidades familiares, para ajudá-los a sair da informação mal elaborada que receberam em algum momento e trazer a informação que proporcione renda à propriedade. O que fazemos é aplicar todo o nosso conhecimento para salvar esses produtores, em termos de produtividade”, afirma Menezes.

A informação, segundo ele, sempre chegou ao produtor de forma fracionada. “Todo mundo fala em dar ração à vaca, mas ninguém sabe que isso está ligado diretamente a uma tabela de exigências nutricionais; falam em dar capim, mas poucos sabem sobre a fertilidade do solo, a adubação. Então, a gente pega essa informação fragmentada e leva ao produtor uma visão do todo: a fertilidade do solo, a adoção da pastagem adequada àquela região, o clima e solo, o manejo dos animais, as contas que envolvem a parte nutricional e gerencial. Ou seja, levamos ao produtor conceitos básicos de forma organizada, para que ele consiga ter um bom desempenho na atividade.”

Ao falar sobre a desistência de alguns produtores que aderem ao programa, ele diz que a questão central é a mudança de mentalidade e de cultura. “Cheguei à conclusão de que ou você usa 100% daquilo que é orientado pelo técnico ou, se usar só 50%, não terá resultado nenhum. E há uma parte dos produtores que ainda quer continuar seguindo o que aprendeu com os pais ou com os avós.”

Começo do zero – Proprietário de uma pizzaria localizada no bairro Méier, na capital fluminense, André Medeiros chegou à conclusão de que seria melhor fabricar o seu próprio queijo muçarela, matéria- prima para o seu negócio, hoje tocado pelo filho. Foi assim que ele deu início a uma nova atividade, que viria a se tornar, em pouco tempo, uma de suas grandes paixões.

“No início, achei que era só comprar um terreninho, umas vaquinhas e fazer o queijo, porque a gente da área urbana sempre acha que é fácil. Quebrei a cabeça, mas me apaixonei pelo campo e encontrei nas vacas um bom negócio para ganhar dinheiro, embora na época não soubesse nada sobre elas”, revela.

No Sítio Esperança, fazendo a coisa certa, a abundância de alimento de qualidade para os animais está garantida

Em 2014, disposto a aprender mais, após ler nota publicada na revista Balde Branco, a respeito de um curso de pós-graduação sobre pastagem, realizado pela Faculdade de Medicina Veterinária de Valença, mesmo sem ter o diploma universitário, Medeiros insistiu e conseguiu se matricular. “Estava interessado não em ter o certificado, não queria ter o papel, mas fui em busca do conhecimento e aprendi muita coisa”, conta. Essa etapa, segundo ele, foi fundamental para lhe despertar de vez para o negócio do leite.

A produção começou numa propriedade localizada em Maricá, de apenas três hectares, “cheia de morros e sem água”, onde, mesmo assim, conseguiu atingir 100 litros/dia, já aplicando tecnologias do programa Balde Cheio, embora não estivesse participando do programa. “Não tinha ninguém para me orientar e fui sozinho. Fiz um monte de coisas erradas, joguei dinheiro fora, mas foi uma escola.”

Dois anos depois, ele recebeu uma visita de Arthur Chinelato que, ao observar as condições da propriedade, fez alguns questionamentos que praticamente o obrigaram a decidir pela aquisição de uma área mais adequada, localizada em Cachoeiras do Macacu. Um dos problemas, no entanto, é que tinha pouca comida, mas por outro lado tinha água abundante e a topografia era plana. “Vendi as vacas que tinha e recomecei literalmente do zero, com o objetivo de chegar a mil litros por dia”, afirma o produtor.

Da Jersey, raça pela qual havia se apaixonado inicialmente, passou a buscar vacas que tivessem potencial para “encher o balde”, mas que fossem capazes de se adaptar ao clima quente e resistissem ao calor da região. Hoje seu plantel é constituído por animais mestiços, com vários tipos de cruzamentos, feitos com a utilização da inseminação artificial, na busca do melhor padrão genético.

Houve ainda uma época em que buscou informação, visitando muitas unidades demonstrativas do Balde Cheio espalhadas pelo País, nas quais diz ter aprendido bastante. Igualmente fundamental foi o apoio e a parceria da esposa, Cleidemar de Oliveira, que passou a encarar com ele o trabalho diário na propriedade. Com o esforço de ambos e a ajuda imprescindível do zootecnista Luiz Roldão Menezes, o Sítio Esperança transformou-se, em quatro anos, num polo de difusão das tecnologias, com índices surpreendentes, apesar de previsíveis, dada a sua dedicação e o seu empenho.

Atualmente, dos 15 hectares de área da propriedade, dez são utilizados no sistema de pastejo, com sete módulos de piquetes de 600 m2 cada um. O rebanho é formado por 52 animais, sendo 42 vacas em lactação, com média de 20 litros/dia por animal. A renda média mensal bruta da propriedade em 2021 foi de cerca de R$ 50 mil.

“A importância de ter o acompanhamento de um técnico do programa é que ele mostra os erros e defeitos da gente. Às vezes, estamos passando por cima do erro todos os dias e, numa única visita, o técnico nos desperta para a situação e traz a solução”, afirma Medeiros, ao se referir ao respaldo oferecido pelo ATeG.

Medeiros cita a sua dificuldade de lidar com os números. “Nisso ele me ajuda justamente a fazer as contas. Saber quanto a vaca come ou tem que comer, quantas vacas cabem por piquete, como fazer a divisão desses piquetes, quanto se gasta para a adubação. Tudo isso é importante para o sucesso da gente.”

Sombreamento para o bem-estar dos animais no Sítio Esperança

Área otimizada – Outro produtor participante do programa que só tem a comemorar é Vítor Castro Martins, proprietário do Rancho VCM. Apesar de ter apenas 4,2 hectares de área e rebanho de quatro vacas em lactação, ele produz 60 litros de leite/dia com renda média anual de R$ 36 mil. Por enquanto, o produtor instalou apenas um módulo de 1,2 hectare, dividido em 24 piquetes de 500 m2 cada, mas o segundo módulo já está em preparação nas mesmas proporções e a meta é atingir de 150 a 200 litros/dia.

A adesão ao programa ocorreu há cerca de dois anos, mas a produção de leite propriamente dita iniciou-se há menos de um ano. “Em 2019 começamos a montar o projeto, com a análise e correção de solo, a formação de pastagens e a divisão de piquetes, mas até então não tinha nenhuma vaca”, conta. Martins possui o sítio há 13 anos e trabalha com a fabricação de queijos artesanais, mas sua dificuldade maior era ter matéria-prima de qualidade, comprada de terceiros. Isso o motivou a pensar na possibilidade de produzir o seu próprio leite para usar na fabricação dos queijos. “Na realidade, mexi de tudo um pouco na tentativa de sobreviver, mas sempre enfrentei muitas dificuldades e, nas tentativas de mexer com a produção de leite, não havia tido êxito”, conta.

Vitor C. Martins (com o filho Bruno): Achava que a parte mais difícil fosse tirar o leite, mas isso acabou se tornando o mais fácil. O difícil é o manejo do capim, porque o segredo todo está na qualidade do volumoso"

A mudança começou a ocorrer a partir de seus primeiros contatos com o zootecnista Luiz Roldão. “Ele veio me visitar e falou sobre o projeto. Iniciamos e levamos quase um ano para montar a estrutura, mas fizemos tudo o que tinha que ser feito. Aí é que fui pensar na aquisição das vacas para dar início à produção. Hoje eu consigo viver da atividade.”

O rebanho de Martins é formado por seis vacas das raças Jersey e Jersolando, sendo quatro em lactação, duas secas e três bezerras, além de um touro Gir utilizado para reprodução. Toda a produção é destinada à fabricação própria de queijo artesanal, o que lhe garante uma média de R$ 3 por litro, considerando o valor agregado e a tranquilidade em relação à qualidade da matéria-prima.

“Achava que a parte mais difícil fosse tirar o leite, mas isso acabou se tornando o mais fácil. O difícil é o manejo do capim, porque o segredo todo está na qualidade do volumoso”, afirma o produtor, quando se refere às suas principais dificuldades. Outro problema que antevê com os planos de colocar em funcionamento o segundo módulo e atingir a meta de 150 a 200 litros/dia é a contratação da mão de obra, que terá que ser feita.

Quanto aos ganhos com o projeto, Martins é taxativo: “Sem a assistência técnica eu diria que não seria difícil, mas sim impossível chegar a algum resultado. Todas as cabeçadas que dei foram por falta de assistência técnica. Sem esse respaldo meu investimento teria sido muito maior e com muito menos retorno e eu já teria desistido”, diz.

A queijaria para a produção de queijos artesanais, com o leite próprio de qualidade garantida no Rancho VCM

ASSISTÉNCIA TÉCNICA É CADA VEZ MAIS NECESSÁRIA


O coordenador regional do programa ATeG do Senar-RJ, médico veterinário Maurício Salles, que também coordena no Estado o Programa Balde Cheio, explica a diferença entre os dois programas, afirmando que o Balde Cheio, ao contrário do que muitos entendem, é uma iniciativa da Embrapa, que visa a preparação de técnicos para trabalhar na assistência ao produtor.

“Começamos com esses técnicos, que em geral atuavam de forma autônoma ou em prefeituras, sindicatos e cooperativas e foi a partir 2016, quando houve uma mudança estatutária e o Senar, além da capacitação, passou a atuar também na assistência técnica, que surgiu o programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG), em nível nacional, incluindo várias cadeias produtivas.”

No caso do leite, segundo ele, o programa foi “muito positivo”, pois a experiência que já vinha do Balde Cheio desde 2004, com os técnicos já capacitados, deu um incremento maior às ações. A diversidade de situações, no entanto, envolvendo propriedades com características bastante diferentes, segundo ele, dificulta extrair dados mais precisos. “Mas os resultados observados são muito positivos e as melhorias que podem ser notadas claramente contemplam nossas expectativas”, afirma.

Salles, que também é presidente do Sindicato Rural de Conceição de Macabu (RJ), afirma que essas entidades, principais parceiras do Senar, são, na maioria dos casos, as responsáveis por viabilizar localmente o programa. Hoje são 20 sindicatos envolvidos, atingindo 41 municípios e 140 produtores. No total, desde que foi adotado, em 2016, o programa já atendeu 340 produtores em todo o Estado.

“É inegável que a assistência vai ter uma importância cada vez maior para o produtor de leite, principalmente neste momento, em que temos os custos aumentando absurdamente”, reforça. Salles avalia que o desconhecimento em relação ao custo de produção é uma das maiores dificuldades dos produtores, além da desinformação, que hoje é facilitada pela forma rápida de se comunicar pelas redes sociais. “São informações que muitas vezes podem servir para o bem ou para o mal do produtor e prejudicar o trabalho do técnico”, conclui.

Abrir bate-papo
1
Escanear o código
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?