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MERCADO

Sophia Honigmann

Médica veterinária, Scot Consultoria

Rússia e Ucrânia

Na madrugada de 24 de fevereiro, as Forças Armadas da Rússia invadiram a Ucrânia. O pretexto para essa invasão é questionável, mas agora será a dominação ou a guerra. O trigo é um dos principais produtos que deverão ser afetados no mercado mundial, dada a importância de ambas as nações na produção deste cereal. Ambos os países estão entre os cinco maiores exportadores mundiais de trigo, detendo 29% da fatia do comércio internacional do grão.

A Rússia foi a quarta produtora de trigo do mundo na safra 2020/2021, atrás de China, União Europeia e Índia (USDA).

Para a safra 2021/2022, a expectativa é de que a produção seja de 75,5 milhões de toneladas de trigo. A estimativa é de que 35 milhões de toneladas sejam exportadas pela Rússia, sendo a segunda maior exportadora de trigo do mundo, atrás apenas da União Europeia.

A Ucrânia ocupa a nona posição na produção de trigo e sua relevância está na exportação, sendo a quarta exportadora. A expectativa é de que 24 milhões de toneladas sejam exportadas na safra 2021/2022, se a guerra permitir. Rússia e Ucrânia estão entre os dez maiores produtores de milho, para o grão a Ucrânia ganha destaque. A Ucrânia é a sexta produtora de milho no mundo, com expectativa de produção de 42 milhões de toneladas na safra 2021/22. Já a Rússia ocupa a décima posição em relação à produção, com expectativa de colheita de 15 milhões de toneladas. Com relação à exportação, Ucrânia e Rússia ocupam, respectivamente, a quarta e a sexta posição global.

O extrativismo de petróleo e o gás natural russo são marcantes. O país, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás Natural, é o terceiro produtor mundial de petróleo. Em relação à produção de gás natural, a Rússia é a segunda produtora do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

O gás natural é a principal fonte de energia europeia e de boa parte da Ásia, abastecido pelas reservas russas e transportados através de gasodutos que cortam a Europa, principalmente a Ucrânia.

Para a soja, Ucrânia e Rússia ocupam, respectivamente, o sétimo e oitavo lugares no pódio mundial de exportação. Em 2021 o país consumiu 768 mil toneladas, com faturamento de US$ 343 milhões, o que representou 22% do faturamento das exportações russas no ano.

A Rússia foi a principal fornecedora cloreto de potássio para o Brasil e uma das maiores fornecedoras de fertilizantes nitrogenados e fosfatados em 2021. O Brasil depende da importação de fertilizantes, sendo o quarto importador mundial. A maior fábrica de fertilizantes nitrogenados do Brasil foi fechada em 2020.

O conflito deverá elevar os preços dos fertilizantes, que, sem guerra, praticamente dobraram em 2021, elevando o custo de produção, principalmente para a safra 2022/23.

Em meio a esse cenário, os preços das commodities subiram e a insegurança estabeleceu-se. O impacto no Brasil poderá ser relevante, em função da dependência brasileira da importação de fertilizantes provenientes da Rússia, o que certamente afetará o custo de produção para as safras futuras.

Além dos fertilizantes, o impacto foi grande nos preços do trigo na bolsa norte-americana. Estes, que já vinham firmes, no dia da invasão à Ucrânia (24/2) foram marcados por uma alta de 5,6% e 15,9% nas comparações diária e semanal. A volatilidade de preços dependerá da duração da guerra e poderá se refletir na margem de agricultores e pecuaristas.

Apesar de a safra brasileira de trigo ter sido recorde em 2021, o Brasil não é autossuficiente e depende da importação. Embora não seja grande importador de trigo europeu, a volatilidade e a provável redução do fornecimento pelos países produtores podem afetar a demanda de nosso maior fornecedor, a Argentina, e elevar ainda mais a inflação no País.

De olho na safra norte-americana 2022/23

Em 24 e 25 de fevereiro ocorreu o Agricultural Outlook Forum, do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). Esse evento anual é bastante aguardado, por trazer as primeiras estimativas acerca da intenção de safra norte-americana de grãos, neste caso, a temporada 2022/2023, a ser semeada em abril/maio.

Com relação à soja, é esperado um aumento de 0,9% na área nos Estados Unidos, estimada em 35,61 milhões de hectares, frente aos 35,28 milhões de hectares em 2021/22.

A produção norte-americana foi estimada em 122,19 milhões de toneladas em 2022/23, frente aos 120,7 milhões de toneladas colhidas no ciclo passado. Os rendimentos médios também deverão ser maiores, estimados em 57,19 sacas por hectare, frente às 57,01 sacas por hectare em 2021/22.

A alta nos preços da soja em meio à quebra de produção na América do Sul e a forte demanda para esmagamento no país foram fundamentais para a expectativa de aumento da intenção de plantio na temporada que está começando nos Estados Unidos.

Com relação ao milho, a expectativa de redução da área é motivada pela elevação dos custos dos insumos, principalmente os fertilizantes nitrogenados, consumidos fortemente nas lavouras. É esperada a redução de 1,4% na área, estimada em 37,23 milhões de hectares, frente aos 37,8 milhões de hectares na safra 2021/22.

Apesar da área menor, a produção deverá ser recorde, com 387,10 milhões de toneladas, 0,8% maior frente aos 383,92 milhões de toneladas colhidas em 2021/22, puxada pela expectativa de maior produtividade média, estimada em 173,28 sacas por hectare, acima das 169,28 sacas na safra passada.

Destaque também para a produção de trigo e de algodão, que deverá crescer em área. Para o trigo, o USDA projeta a área semeada em 19,42 milhões de hectares em 2022/23, 2,8% maior do que no ciclo anterior e, para o algodão, a estimativa de área é de 5,13 milhões de hectares, 13% maior do que na temporada passada.

Dessa forma, além do Brasil, que está colhendo a safra de verão (primeira safra) e semeando a safra de inverno (segunda safra), o clima nos Estados Unidos passa a ter importância na precificação no mercado internacional daqui para a frente, com a semeadura por lá tendo início em abril/maio.

Historicamente, com a situação das lavouras norte-americanas positiva ou negativa, isso repercute diretamente nos preços no mercado brasileiro, principalmente para a soja.

Produção de leite cresceu quase 400% em 50 anos

Com o aumento da população, existe a necessidade, também crescente, de maior produção de alimentos. O Brasil, com papel importantíssimo nesse aspecto, tem melhorado suas técnicas produtivas ao longo dos anos, como é o caso da produção de leite. De 1974 a 2020, aumentou a quantidade de vacas ordenhadas e o volume de leite produzido.

Nesse período, a produção brasileira de leite cresceu 399,1%, totalizando 35,4 bilhões de litros em 2020. Esse aumento equivale a um incremento médio de 603,1 milhões de litros ao ano (IBGE).

O número de vacas ordenhadas caiu duas vezes no período: entre 1995-1996 e 2014-2017, com quedas de 20,9% e 26,8%, respectivamente. A queda nesses períodos se deve à diminuição do número de produtores de leite, sendo que os produtores de menor porte saíram da atividade por causa da insustentabilidade financeira do negócio.

Na década de 1990, época de abertura econômica, a importação de produtos lácteos levou à necessidade de os produtores aumentarem a produtividade, a fim de se tornarem competitivos. Nos anos que seguiram, o rebanho tornou a crescer, com uma demanda crescente pelos produtos lácteos. Não só houve crescimento do rebanho, como também da produtividade por vaca. Vale ressaltar que a média brasileira de produção de leite diária está bem abaixo das fazendas eficientes, cuja tecnificação e produtividade são modelos.

Essa produção média baixa indica que a quantidade de produtores com baixa produtividade é grande. Mas o mercado estima que grandes produtores, nas principais bacias leiteiras do País, são os responsáveis pela maior parte da produção de leite cru. Apesar de a produção média brasileira por vaca ser baixa, o Brasil ocupa o sexto lugar entre os maiores produtores mundiais de leite de vaca (USDA, 2021). A produtividade vem aumentando conforme o número de pequenos produtores diminui, devido à menor competitividade.

O seguro rural na gestão de riscos agropecuários

O aumento de prejuízos causados pelo clima nos últimos cinco anos levou ao aumento de sinistralidade no mercado de seguros rurais. Em 2021 foram feitas inovações no setor, com os seguros paramétricos para as culturas de pastagens, cacau e milho para silagem, tornando-as aptas a participarem da subvenção disponibilizada pelo Ministério da Agricultura.

Além disso, ocorreu a publicação do “Marco Regulatório de Grandes Riscos”, que poderá afetar os seguros rurais, majoritariamente os segurados de maior porte, uma vez que trouxe uma flexibilização de termos e condições dos seguros.

Ainda no mesmo ano, a Susep (Superintendência de Seguros Privados) revisou normas, como a de circular de danos, o fundo de estabilidade do seguro rural e a circular de seguro rural. A Embrapa tem feito estudos com base no Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), a fim de torná-lo mais específico quanto ao tipo de manejo de solo. Assim, o risco de perdas devido à estiagem seria menor.

Os fatores mensurados são cobertura de solo, taxa de infiltração de água e profundidade radicular das culturas. Esses fatores são mensurados de acordo com os seguintes indicadores: tempo sem revolvimento do solo; número e tipos de culturas em rotação; quantidade da área com cobertura de solo; parâmetros da análise de fertilidade do solo e diagnóstico da estrutura do solo.

Por meio dessas medições é definido o Zarc para níveis de manejo (ZarcNM), que resultará em quatro possíveis resultados (NM1; NM2; NM3; NM4), sendo o de maior numeração o de melhor resultado, ou de menor risco.

Essa medida tem implicações em sustentabilidade, induzindo o produtor rural a adotar boas práticas agrícolas, e, nos seguros rurais, a necessária atualização da metodologia utilizada pelas seguradoras.

Ainda será necessária muita atuação na estruturação desse mercado e disseminação da cultura de seguros rurais, assim como uma maior atuação de entidades rurais para auxiliar nos pontos citados. Também será necessário capacitar profissionais da área, uma vez que é notável a falta de padronização das inspeções quando o sinistro é acionado.

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