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Família Bergamin, da Granja Bergamin, em Xavantina, apoia a iniciativa da Secretaria de Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural: mais segurança

BRUCELOSE E TUBERCULOSE

Santa Catarina rastreia rebanho leiteiro para

eliminar brucelose e tuberculose

Medidas adotadas pelo Estado, o mais bem classificado nos índices de prevalência das doenças estabelecido pelo Ministério da Agricultura, visam localizar mais rapidamente os focos contaminados

João Carlos de Faria

Depois de se posicionar como o primeiro Estado brasileiro a ser certificado pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) como área livre de febre aftosa sem vacinação e de ter apresentado a menor prevalência de brucelose animal no País, além de um baixíssimo índice de tuberculose (0,5% do rebanho), Santa Catarina agora almeja alcançar o patamar de insignificância dessas doenças, visando à exportação de leite.

Por isso, desde janeiro de 2021 os laticínios catarinenses estão obrigados a rastrear toda a matéria-prima e solicitar exames de brucelose e tuberculose do rebanho de seus fornecedores, conforme a Portaria SAR 44/2020, da Secretaria de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural. O objetivo é localizar os rebanhos contaminados dentro do Estado, que hoje seriam cerca de 2.000 com brucelose e outros 1.000 com tuberculose.

Karina Baumgarten: Para avançar nesse estágio, é preciso trabalhar com a cadeia produtiva para eliminar as doenças e esse foi o intuito da Portaria 44/2020, quando estabeleceu a rastreabilidade do leite

“Esses números, embora sejam baixos em relação ao total do rebanho, precisam ser localizados para evitar que as pessoas se contaminem e que se disseminem as doenças”, explica a médica veterinária Karina Diniz Baumgarten, idealizadora do projeto e coordenadora do Programa Estadual de Erradicação da Brucelose e Tuberculose (PEEBT), executado pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc).

A tuberculose, por exemplo, é uma doença que pode ser transmitida principalmente por via respiratória, através do ar, mas também por contato direto com secreções nasais de animais infectados. Por isso, há maior risco de atingir rebanhos leiteiros porque ficam mais aglomerados, principalmente em propriedades leiteiras com maior tecnologia. “Tínhamos que trabalhar esses rebanhos para controlar a doença de forma mais rápida”, explica Karina.

Quanto à brucelose, o controle é mais fácil, pois é possível colher e examinar amostras diretamente dos tanques de leite, processo muito mais rápido do que testar animal por animal. “Nesse caso, a gente utiliza o próprio fluxo da cadeia produtiva para rastrear o rebanho contaminado”, complementa.

É cada vez maior o número de propriedades que estão fazendo os testes de tuberculose e brucelose nos rebanhos

Classificação – Pela Instrução Normativa 10/2017, do Ministério da Agricultura, os Estados são classificados de acordo com o nível de prevalência das doenças, ou seja, quanto menor o número de casos, mais baixo ou insignificante, a situação é relativa ao nível “A” da escala. É o caso de Santa Catarina, onde a incidência é menor do que 2%, tanto para brucelose quanto para tuberculose, sendo, portanto, o único Estado brasileiro nesta condição.

A classificação ocorre entre as letras “A” e “E”, conforme a variação do índice de contaminação, sendo a classe E dada aos Estados que ainda não realizaram nenhum estudo epidemiológico para conhecer o total de rebanhos contaminados.

“Para avançar nesse estágio, é preciso trabalhar com a cadeia produtiva para eliminar as doenças e esse é o intuito da Portaria 44/2020, que estabeleceu a rastreabilidade com regras mais rígidas para que pudéssemos encontrar mais rapidamente os focos contaminados, proteger a saúde pública e evitar a disseminação a outros rebanhos”, conta Karina. Essa não é uma imposição do Ministério da Agricultura, mas cada Estado pode adotar providências para proteger a sua cadeia produtiva. “É um passo a mais. Não basta ser classe A, a gente tem que ser classe A3”, afirma.

Ferramentas de rastreabilidade – O primeiro movimento nesse sentido foi conversar com a cadeia produtiva e fazer uma minuta da portaria, que foi sendo ajustada até ficar viável para ser adotada dentro da realidade. Para a brucelose, a principal providência foi tornar obrigatória uma coleta anual nas propriedades, feita pela indústria e enviada e analisada por dois laboratórios credenciados pelo Estado.

“Para isso, tivemos que afinar a rastreabilidade para saber quem produz, para quem produz e onde está a propriedade e o rebanho. É importante esclarecer que essa rastreabilidade é sanitária, com a finalidade única de localizar os rebanhos contaminados e não como informação ao consumidor final”, afirma a médica veterinária.

“Aos dados da Secretaria se juntaram informações dos laticínios para definir rotas com as quais é possível localizar a indústria, os produtores e a região onde estão. “Isso nos permite saber de onde são as amostras de leite e, se o exame for positivo, atender à propriedade, fazer a fiscalização e orientar o produtor.”

Para a tuberculose, que exige que o exame seja feito animal por animal, a medida adotada foi a de realizar exames a cada três anos, com um calendário por município e região estabelecido pela Cidasc, para que esses exames sejam feitos de forma escalonada e não se concentrem apenas em determinadas épocas do ano.

“Notávamos, nos abatedouros, a chegada de muitas vacas condenadas por ter tuberculose, que vinham de propriedades leiteiras e os proprietários nem sabiam que havia animais contaminados no seu rebanho”, lembra Karina, acrescentando que embora o Ministério da Agricultura exija testes periódicos, não define a frequência com que isso deve ocorrer.

Impactos das medidas – Com essas práticas, o total encontrado de rebanhos contaminados aumentou em 88% para brucelose e em 9% para tuberculose em relação a 2020, refletindo nas indenizações pagas pelo Estado por animais descartados.

De um ano para outro, o valor pago para os casos de brucelose dobrou, passando de R$ 7 milhões para R$ 14 milhões, e os de tuberculose subiu em cerca de R$ 3,6 milhões, passando de R$ 11,305 milhões para R$ 17,645 milhões, considerando obviamente a variação do preço da carne, uma vez que o pagamento é feito com base no valor do peso do animal vivo.

Em números de amostras, em 2021, foram 879 positivas, num total de 24.665 coletas, o que representa uma reação de 3,5% no conjunto dessas amostras. Das positivas, cerca de 500 confirmaram animais positivos no exame de sangue, se tornando foco de brucelose.

A meta agora é se submeter às auditorias do Ministério da Agricultura para alcançar o nível “A3”, que poderá ser utilizado pelos laticínios para impulsionar a exportação do produto. “Isso dá reputação ao nosso leite e valoriza a produção do Estado.”

Em paralelo a esse trabalho feito pelo setor lácteo, a Cidasc realiza a análise de amostras de sangue em abatedouros para a detecção de casos de brucelose também em rebanhos de corte. A investigação é feita nos abatedouros pelos médicos veterinários da inspeção sanitária, quando se encontram lesões (tubérculos) durante o abate de bovinos.

Produtores como Lenir Warmling Boeing, do município de Braço do Norte, acataram as medidas como um benefício para melhorar a qualidade da produção leiteira do Estado

Reação positiva – As reações da indústria e dos produtores na elaboração da primeira minuta da legislação foram de questionamento e com algumas restrições, mas um projeto – piloto, realizado entre 2011 e 2015, nas regiões de Chapecó e Tubarão, serviu para mostrar os erros e acertos. “A gente pode antecipar o que poderia dar errado e o que poderia dar certo”, afirma Karina.

Um exemplo disso foram os primeiros testes nos laboratórios da Cidasc, que apresentaram reação em 20% das amostras, quando se sabia que a incidência da doença era de apenas 2%. “Isso nos assustou em princípio, mas enviamos as amostras para outro laboratório em Curitiba para outro tipo de teste e deu certo”, explica Karina. Outro empecilho nessa fase foi a resistência das indústrias em se cadastrar na Cidasc, dificuldade que também foi superada positivamente.

“Ainda estamos fazendo ajustes, mas o setor ‘vestiu a camisa’ e estamos a todo vapor”, afirma a médica veterinária. Uma das medidas positivas que vêm sendo adotadas pelos laticínios, segundo ela, é a certificação e a bonificação para as propriedades livres das doenças.

Sindileite – O presidente do Sindicato de Leite de Santa Catarina (Sindileite/SC), Valter Brandalise, disse que o fato de o setor ter sido convidado a participar da discussão da minuta da portaria foi muito positivo para que os interesses comuns do projeto fossem atendidos. Afinal, juntas, as indústrias inspecionadas coletaram no ano passado 2,945 bilhões de litros de leite cru em todo o Estado, o equivalente a 11,7% do total nacional (IBGE).

“Fizemos sugestões e alertas baseados na nossa vivência do dia a dia. Precisávamos, por exemplo, pensar na estrutura necessária e se estávamos preparados para atender à nova demanda, porque já visualizávamos problemas como a deficiência no fornecimento dos antígenos”, afirma.

Para chegar ao produtor, ele conta que foi preciso quebrar resistências, uma vez que, antes da obrigatoriedade, nem todos se interessavam pelo assunto. “Mas, sendo uma portaria do governo, uma obrigação legal, ficou mais fácil convencer esses produtores a cumprirem a lei.”

Também foram mobilizados para isso órgãos como o Conseleite, além de avisos enviados aos produtores e os contatos diretos das equipes técnicas das indústrias. “Não faltou informação e hoje todo produtor de Santa Catarina sabe que em algum momento será visitado.”

“Não faltou informação e hoje todo produtor de Santa Catarina sabe que em algum momento será visitado” Valter Brandalise

Segundo Brandalise, a situação agora é de certa normalidade, sem muitas barreiras para o andamento do trabalho, além do que os produtores que cobram ações para abrir mercados externos sabem que a sanidade e a qualidade do leite são exigências dos países importadores.

A exportação, aliás, é uma das metas da indústria, que quer aproveitar os períodos de excesso da produção para “enxugar” o mercado, armazenando leite em pó para comercialização no mercado externo nos momentos mais propícios. “A exportação depende de oportunidades, ou seja, o interesse varia de acordo com o melhor preço, seja no mercado interno, seja no externo”, diz.

Hoje o volume de exportação de Santa Catarina ainda é pequeno, mas, segundo Brandalise, já há um programa de treinamento bancado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil), que capacita empresas do Estado para vender no mercado externo, habilitando suas respectivas plantas para coletar maiores volumes. Dados do Ministério da Economia apontam que, neste ano, até o mês de março, o Estado havia exportado 309,2 mil toneladas de produtos lácteos.

Sobre a rastreabilidade, Brandalise acha que ainda é cedo para medir os resultados, mas diz que é possível sentir alguns problemas estruturais a serem superados, como a falta de pessoal e a escassez de material para os testes. No entanto, a certificação de um número maior de propriedades, que, segundo a Cidasc, pulou de cerca de 700 em 2018 para 2.000 neste ano, seria, segundo ele, um dos saldos positivos do programa. Além disso, a remuneração aos produtores seria um investimento das indústrias para impulsioná-lo.

Diego Junior Bergamim (de chapéu) e os pais, Salete e Joraci Bergamim, na propriedade localizada em Xavantina e certificada como livre de brucelose e tuberculose desde 2016

PRODUTORES APROVAM MEDIDAS E ELOGIAM INICIATIVA DO ESTADO

 

As normas para a rastreabilidade agradaram à maioria dos produtores, que tecem elogios às medidas. Produtor de leite em Xavantina, Diego Junior Bergamim afirma que as medidas foram recebidas com tranquilidade na Granja Bergamim, que já é certificada desde 2016, o que, segundo ele, é uma forma de “unir o útil ao agradável”, pois, além de manter a sanidade dos animais e a segurança das pessoas, há a remuneração paga pela indústria.

Na Granja, a produção é de 1.200 litros/dia, com média de 25 litros/vaca e o rebanho é formado por animais das raças Holandesa e Girolando, sendo 45 vacas em lactação. “O problema era que boa parte da vizinhança não adotava os mesmos cuidados, mas agora a maioria já fez os exames e isso nos dá mais segurança”, afirma.

Formado em medicina veterinária, ele trabalha na propriedade desde 1985 com os pais e diz que logo percebeu que a sanidade e a prevenção seriam caminhos sem volta, até mesmo para preservar a saúde da própria família. “Antes não se ligava para índices como CCS/CBT, por exemplo, porque não se percebia o quanto isso era importante”, revela.

O melhor para o consumidor – Em Jaborá, no meio-oeste catarinense, próximo a Chapecó, a Cabanha Cassiano também é referência na produção de leite, com 2 mil litros/dia e média de 40 litros por vaca/dia, com perspectiva de chegar em breve a 4 mil litros. “Nós aqui somos pequenos”, afirma o proprietário, Carlos Luiz Cassiano, que espera em breve ter todo o seu rebanho formado com vacas Holandesas PO, boa parte de seu próprio criatório.

A Cabanha também é certificada desde 2015 e foca na oferta de um produto de alta qualidade no mercado. “Nós, que somos produtores de alimentos, temos de oferecer o melhor ao consumidor. Por isso, acho que as medidas adotadas pelo Estado são de grande importância para todos nós”, diz Cassiano. As exigências da lei, segundo ele, ainda enfrentam resistências na sua região, mas acredita que os produtores logo vão se adaptar.

Como também é o vice-prefeito de Jaborá, ele conta que tem se esforçado muito para ver concretizada a instalação de um laboratório municipal, conforme projeto da Secretaria de Agricultura local. O objetivo é fazer as análises no próprio município. “Queremos facilitar ao máximo para o pequeno produtor, para ajudá-lo a cumprir a lei”, revela.

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