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Programas desenvolvidos com investimentos da prefeitura miram principalmente a melhoria genética e a produtividade do rebanho

POLÍTICAS PÚBLICAS

SC: pecuária de leite transforma município em

campeão de produtividade

Localizado no extremo oeste do Estado, Itapiranga adota iniciativas que elevam índices acima da média nacional e dobra a produção em dez anos, apesar da redução do número de produtores

João Carlos de Faria

A ausência de políticas públicas em favor da pecuária de leite é uma realidade que afeta principalmente pequenos e médios produtores. Mas quando a atividade se depara com iniciativas que quebram essa regra, os bons resultados se tornam evidentes e demonstram o acerto de ações fomentadoras realizadas pelo Poder Público.

O município de Itapiranga, no extremo oeste de Santa Catarina, é uma dessas raras exceções, graças a investimentos feitos pelo governo local ao longo dos últimos anos, para o aprimoramento dos processos de produção e melhoria da gestão das propriedades rurais, em parceria com órgãos como Sebrae, Senar e outras organizações, além da iniciativa privada.

Em 14 anos, a produção de leite do município cresceu em 133%, mesmo com a redução em 36,7% do número de produtores, que em 2007 eram 900, produzindo 30 milhões de litros/ano, número que caiu para 570 em 2021, quando a produção alcançou 70 milhões de litros. O município, no entanto, já chegou a ter mais de 1,2 mil produtores, mas com média por animal muito baixa.

Hoje, apesar de esse número ter diminuído pela metade e com um plantel de 20,5 mil animais, sendo 16,2 mil vacas em lactação, a produtividade é de 11,92 litros/dia/vaca, média superior à nacional, que é de 4,38 litros (SIS) e mundial, de 9,66 litros (Iepec). No ano passado foram produzidos cerca de 70 milhões de litros ou 200 mil litros por dia.

Segundo o secretário municipal de Agricultura e Meio Ambiente, engenheiro agrônomo Eusébio Anuar Tavares Filho, o trabalho teve início há cerca de 40 anos e foi evoluindo até se tornar referência para o País. Tradicionalmente, as cadeias da avicultura e suinocultura sempre foram mais fortes no município, inclusive com a presença de grandes empresas do ramo instaladas em seu território. A aptidão para o leite, segundo Tavares, é uma herança da colonização alemã, que foi iniciada com animais vindos do Uruguai, mas sem os resultados esperados. “Na década de 1970 foi feito um trabalho de introdução de uma genética mais apurada, com predomínio das raças Jersey e Holandesa”, explica.

Sucessão familiar – Nos últimos anos, também se solidificou a preocupação com a sucessão familiar, herança dos antigos programas de microbacias, que diagnosticaram essa necessidade e, há mais ou menos 15 anos, as famílias começaram a ser preparadas para esse momento. Hoje, a maior parte dos jovens prefere permanecer na propriedade. “Na maioria das propriedades, em geral sempre tem alguém com alguma formação na área, se preparando para a sucessão”, explica Tavares.

Outro resultado prático dessas ações é a autossuficiência com que as propriedades, hoje, fazem suas próprias escolhas. Isso diz respeito à genética que querem e às intervenções clínicas e veterinárias mais comuns, pois, apesar de a prefeitura disponibilizar esses serviços sem custos, normalmente eles são acionados somente em casos realmente urgentes.

Eusébio A. Tavares Filho: “Este é um dos nossos grandes diferenciais, pois tudo o que é arrecadado nós retornamos ao produtor na forma de incentivo, nos mais diferentes programas”

Para se ter uma ideia, do total de 70 partos realizados em média por dia, a equipe da prefeitura só atua diretamente em casos muito pontuais, porque normalmente as propriedades estão preparadas e contam com alguém capacitado a fazer os procedimentos necessários.

Tavares enxerga a redução do número de produtores como consequência natural, a depender das circunstâncias de cada um. “Produtores com pouca produção não se sustentam e deixam a atividade, abrindo espaço para os mais eficientes, pois, sem lucro, eles não sobrevivem”, analisa.

O secretário acrescenta que 16 empresas fazem captação no município e cada uma tem suas exigências e, além disso, para obter lucro o produtor precisa ter volume de produção e estar preparado para enfrentar a oscilação dos preços e da margem de lucro com o leite.

Incentivos – Em Itapiranga, em 2021, a bovinocultura de leite movimentou cerca de R$ 142 milhões, com a geração de R$ 2,8 milhões em ICMS. Esse valor é revertido totalmente em incentivos à própria atividade. Com esse recurso, a prefeitura financia programas como o melhoramento genético, oferecendo o material necessário para inseminação, além de nitrogênio e doses de sêmen de touros compatíveis com o padrão racial de cada plantel. No ano passado foram gastos R$ 800 mil somente com esse programa.

No caso, se o produtor tem 100 animais acima de 12 meses, ele recebe 130 doses de sêmen, sem nenhum custo. Também pode contar com atendimento clínico-veterinário gratuito, 24 horas por dia, e em caso de interdição por causa de brucelose ou tuberculose, a prefeitura paga todos os exames, até que a propriedade seja liberada. “Esse é um dos nossos grandes diferenciais, pois tudo o que é arrecadado nós retornamos ao produtor na forma de incentivo, nos mais diferentes programas”, afirma.

Todo esse esforço visa a uma meta definida para os próximos cinco anos, que é alcançar a média de 15 litros/animal/dia. “As propriedades estão cada vez mais tecnificadas e o produtor melhora cada vez mais a genética do seu rebanho. Se a gente alcançar essa média o impacto será muito grande”, diz o secretário.

A prefeitura, segundo Tavares, continua fornecendo material genético e apoiando o produtor no atendimento clínico-veterinário, contando ainda com o acompanhamento de técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária (Epagri) do governo estadual, que atende às propriedades menores, mediante o repasse de parte dos recursos pelo município, mas a assistência técnica hoje é feita majoritariamente pelas próprias empresas e cooperativas.

Com melhoria genética e outros incentivos, meta é atingir um padrão cada vez mais elevado do rebanho e chegar à média de 15 litros/vaca/dia em cinco anos

Certificação – Além do alto padrão genético e das ações de extensão, há outros fatores que contribuem para o avanço cada vez maior da atividade, como as certificações de propriedades como livres de tuberculose e brucelose, realizadas por meio de um programa coordenado pelo Sebrae/SC, juntamente com a prefeitura e com o Instituto de Desenvolvimento Regional (Ifai), órgão ligado à Unidade Central de Educação da Faem Faculdade (UCEFF), com recursos do Programa de Consultoria Tecnológica do Sebrae (Sebraetec).

Graças a isso, Itapiranga é a campeã no Estado, tendo 43% das propriedades certificadas, responsáveis por 68% do total do leite produzido no município. Quando tem a propriedade certificada, o produtor recebe um acréscimo de R$ 0,03 por litro e, com isso, há um incremento do lucro líquido em R$ 1,26 milhão por ano.

Para o especialista em agronegócios Lazie Manoel Decol, que coordena o projeto iniciado há cinco anos, o resultado é fruto de um esforço conjunto das cooperativas, da prefeitura e de outros segmentos que agregam ao trabalho do Senar e do Sebrae, que, além da questão sanitária, oferece consultorias relativas ao aumento de produtividade, dos índices zootécnicos, reprodução, nutrição e qualidade de leite, entre outras.

Decol também entende que a disposição das sucessivas gestões municipais em manter a continuidade dessas políticas tem sido fundamental para o bom desempenho da produção.

“Mesmo com a troca dos gestores/prefeitos, os projetos continuam acontecendo porque há funcionários efetivos da Secretaria de Agricultura que são comprometidos com a sequência desses projetos.”

Produtor recebe a certificação da sua propriedade das mãos de Lazie Manoel Decol (à direita), coordenador técnico do projeto

Laticínio Itapiranga, que teve investimentos de R$ 6,2 milhões, de seis empresários

Tendo a questão sanitária equalizada, uma nova fase está se iniciando, com foco na gestão das propriedades. Decol conta que está sendo desenvolvido um software com o qual o produtor poderá gerenciar o seu negócio de acordo com as suas especificidades, com soluções para nutrição, reprodução, manejo sanitário e qualidade de leite e contar com planos de ação para melhorar seus indicadores e atender ao mercado.

“A produtividade precisa melhorar e, como o produtor vende litros de leite, precisa elevar sua média, para manter seus custos de produção e melhorar sua lucratividade, mesmo porque uma alta produção nem sempre representa um bom lucro. A lucratividade é o objetivo principal do Sebrae, pois é isso o que vai proporcionar qualidade de vida do produtor”, afirma.

 

Laticínio – O município ganhou no ano passado sua primeira indústria de laticínios, com investimento de R$ 6,2 milhões, feito por seis empresários locais. Para ajudar na instalação, a prefeitura criou uma lei de incentivo que permitiu investir R$ 300 mil na preparação de toda a infraestrutura necessária.

O Laticínio Itapiranga escolheu a marca Porto Novo para identificar comercialmente sua linha de produtos em referência à história da cidade. O mix inclui os tradicionais queijos muçarela e de coalho e uma linha de maturados; o quark e o queijo itálico maturado ao vinho, uma de suas exclusividades, além de requeijão, manteiga, nata e doce de leite.

Para o empresário Amilkar Gassen, um dos sócios e diretor comercial do empreendimento, o laticínio representa um sonho de seus idealizadores, todos com experiência de mais de 20 anos nesse tipo de indústria, mas também era uma necessidade do município. “Faltava um laticínio para fechar a cadeia”, diz.

Segundo ele, todo o fomento à produção e à qualidade do leite e o incentivo da prefeitura motivaram a iniciativa, que foi muito bem recebida também pelos produtores, apesar da concorrência, que é grande no município. A meta inicial de processamento, de 15 mil litros/dia, já foi superada em outubro passado, quando chegou a 22 mil litros. Em cinco anos, o objetivo é ter 100 mil litros/dia, o que hoje representa 50% da produção do município.

Amikar Gassen: “Damos total apoio, sobretudo investindo em subsídios para que eles possam produzir cada vez melhor”

Pagamento por qualidade – Gassen explica, porém, que o fato de ser uma empresa local, não é determinante para conquistar os produtores e por isso o laticínio busca valorizar aqueles que apresentem bons índices de sólidos e boas referências de CCS e CCB, acima da média da região. Por isso, na tabela de remuneração por qualidade da empresa, quem atinge índices de proteína e gordura acima da média da região recebe uma bonificação extra.

Para ajudar os produtores, a empresa oferece planos de fidelização, com descontos em vários serviços, principalmente no atendimento clínico- veterinário e na compra de insumos e de outros materiais nas casas agropecuárias da região, além de formar grupos para participar de programas como o Mais Leite Saudável. “Damos total apoio, sobretudo investindo em subsídios para que eles possam produzir cada vez melhor.”

PARA PRODUTOR, A AJUDA DA PREFEITURA NO MELHORAMENTO GENÉTICO É FUNDAMENTAL

 
O itapiranguense Evonir Preis, da Agroleite Preis, é uma boa referência do que representam as ações do Poder Público local, dos órgãos de fomento, como o Sebrae e o Senar, e da iniciativa privada e suas contribuições para elevar aquela bacia leiteira ao patamar de excelência que alcançou nos últimos anos, além de também ser um exemplo da mentalidade de sucessão familiar estimulada pelo município.

Ele toca a propriedade com o irmão Ivan Preis e se responsabiliza pela gestão financeira e pela produção de alimentos, enquanto o outro cuida da nutrição e da genética dos animais. Os dois não possuem formação universitária, mas sempre buscaram se qualificar para dar continuidade ao trabalho do pai, falecido há cinco anos, garantindo o bom encaminhamento da sucessão familiar.

A propriedade foi adquirida pelo casal Inácio e Bernadete Preis em 1979 e, antes do leite, sua principal atividade era a fumicultura. Em 2014, já com animais mais selecionados, resolveram confinar o rebanho, face às dificuldades de espaço para abrigar todo o plantel.

Optaram então pelo compost barn, com um investimento de R$ 1 milhão. A produção inicial era de 1,5 mil litros/dia, menos que a metade dos 3,3 mil litros/dia produzidos atualmente. “Fomos os primeiros a adotar esse sistema e motivamos outros produtores a fazerem o mesmo”, afirma.

Preis conta que a família sempre recebeu o apoio irrestrito da prefeitura, o que foi fundamental para sua evolução. Ele ressalta o papel do médico veterinário Domicílio José Stefanello, funcionário do município, como precursor da expansão da bacia leiteira itapiranguense, dado seu esforço e dedicação.

Um benefício importante que recebeu da prefeitura foram as doses de sêmen, além do material e nitrogênio, para serem utilizados para inseminação artificial e melhoramento genético do rebanho.

“O programa de melhoramento genético nunca pode acabar. As pequenas propriedades e os produtores familiares precisam muito desse incentivo”, afirma. Essa e outras ações desenvolvidas pelo poder público e demais parceiros, segundo Preis, fizeram elevar o padrão da pecuária de leite no município, refletindo nos índices de produção e de produtividade e valorizando seu rebanho.

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