Mix de espécies nativas para semeadura direta (muvuca), que é mais barato e apresenta bons resultados

REFLORESTAMENTO

Semeadura direta

barateia recuperação de áreas

Técnica com o uso de espécies nativas ganha projeto de difusão com meta de implantação de 2,1 mil ha/ano

Luiz H. Pitombo

Existem no Brasil cerca de 19 milhões de hectares a serem restaurados com árvores de espécies nativas, dos quais 11 milhões de hectares são de reserva legal (RL) e outros 8 milhões de hectares de áreas de preservação permanente (APP). Em números absolutos, a maior demanda é na região Centro-Oeste (5,3 milhões ha), seguida da Sudeste (4,5 milhões ha), Nordeste (3,2 milhões ha), Sul (3,1 milhões ha) e Norte (2,4 milhões ha).

Este tipo de desafio o ser humano enfrenta há milênios, por diferentes motivos, como pelo uso exaustivo de florestas para a construção de frotas comerciais ou de navios de guerra. São diversos os métodos de restauração existentes, como o plantio de mudas ou a semeadura direta, também chamada de “muvuca” por brasileiros. A Austrália é uma pioneira em seu uso desde os fins do século XIX, mas sem empregar uma gama de espécies nativas misturadas.

As vantagens são várias, a começar pelo menor custo e facilidade de aplicação. Se por mudas os gastos operacionais podem chegar a R$ 17.200/ha, por semeadura direta caem para R$ 7.722/ha, em valores do Estado de São Paulo. Não há necessidade de viveiros e pode ser aplicada com a adaptação de maquinários agrícolas já existentes na propriedade, ou mesmo manualmente.

A necessidade de manutenção é reduzida e é possível se associar adubação verde com leguminosas a espécies adaptadas ao bioma e de uso alimentício para os seres humanos, gado e outros animais. As árvores mostram grande resistência à seca, com sistema radicular bem desenvolvido. De acordo com o Código Florestal, em até quatro módulos fiscais é possível utilizar espécies exóticas no local, mas acima disso as Áreas de Preservação Permanente (APP) precisam ser de espécies nativas e as áreas de Reserva Legal (RL) podem ser metade de cada.

O mix de sementes vai promover um desenvolvimento escalonado das diferentes espécies, que crescerão em harmonia ao longo do tempo. Nos primeiros dois anos crescem as leguminosas, que trazem nutrientes e protegem as plântulas em seu estágio inicial. Aos dois anos, as árvores e arbustos pioneiros já se estabeleceram e, aos quatro anos, se tem o dossel florestal formado. Já aos 10 anos e mais, se terá uma floresta estratificada e o surgimento de novas espécies trazidas por aves, morcegos e outros animais.

Semeadura a lanço de sementes nativas da região

Três situações práticas – A Fazenda Santa Maria do Monjolinho, em São Carlos (SP), utiliza a semeadura direta há mais de dez anos no processo de recuperação de parte de sua reserva legal, iniciado na virada dos anos 2000 com mudas. Após tentar por três ou quatro anos sem sucesso, partiu para a semeadura direta ao estilo da muvuca, contando hoje com 8 ha aplicados com a técnica em diferentes estágios de regeneração, restando ainda mais 4 ha a fazer.

Eduardo Malta Campos, seu proprietário, conta que perdia muito dos plantios realizados antes por irregularidade das chuvas, formigas e enraizamento falho das mudas. Ele explica que recebia plantas de muitas espécies diferentes e que por várias razões tinham seu sistema radicular “enovelado” dentro do recipiente em que as recebia, o que causava sérios problemas de pegamento. “Chegava a perder 95% do plantio”, lamenta.

Alertado por seu filho, que é biólogo e atua na área prestando consultoria a diferentes grupos, começou a adotar a semeadura direta, que foi avaliada e teve seus resultados aprovados na área por engenheiro florestal contratado o ano passado.

O sistema que tem adotado consiste em aplicar primeiro um herbicida seletivo na Brachiaria decumbens que existe na área, para mais tarde semear em covas que abre na palha. Ele utiliza linhas das leguminosas feijão-de-porco e feijão-guandu e, entre elas, espécies como jatobá, angico, cedro, paineira, guarantã e outras. Sobre as dificuldades que tem enfrentado, afirma que depende muito da área e que não dá para generalizar. “Pode ser o capim que começa a voltar ou o surgimento de invasoras como este ano, com a trepadeira corda-de-viola”, diz.

O controle de formigas é realizado em caso de necessidade, quando existe sinalização por parte de ataques ao feijão-de-porco, preferido pelas cortadeiras. Quando este seca, em junho, o guandu vai bem, continuando a garantir um bom ambiente para o desenvolvimento das mudas, que têm seu sistema radicular atuante conforme sua natureza.

O Parque Serra Azul, do Sesc Pantanal, em Rosário Oeste (MT), tem adotado, mais recentemente, a semeadura direta, considerando as áreas de APP e em outras situações. “Recomendo o uso da técnica também aos produtores de leite porque, operacionalmente, é mais barata e dispensa o uso de herbicidas, o que não é permitido nas APPs”, afirma o engenheiro florestal Henrique Freire Andrade, que atua na unidade. Ele chama a atenção, porém, sobre a disponibilidade de sementes de qualidade, o que depende de redes de coletores que hoje se encontram mais estruturadas no Centro-Oeste e com maior disponibilidade de áreas nativas para coleta, do que, por exemplo, a região Sudeste, em áreas de Mata Atlântica.

Hidrelétricas e construtoras de estradas estão sendo igualmente atraídas pela técnica, como a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel). Marcelo Camargo, técnico florestal da empresa, conta que, em lagos formados com as barragens, necessitam  estabelecer APPs de 100 metros de largura na margem, o que significa muito trabalho pela frente, como na Usina Colíder, em Mato Grosso.

“Não existe uma receita para sua implantação, pois cada área é diferente em termos de que espécies usar e o capim existente na região”, afirma. Ele conta que iniciaram a primeira semeadura em 2016, contando hoje com 50 ha com a técnica, que deve se ampliar para mais 100 ha e posteriormente somente utilizarão o processo da muvuca.

Muvuca mostrando feijão-de-porco alto

Difusão – A Iniciativa Caminho da Semente, com sede em São Paulo (SP), foi criada com o intuito de difundir o uso da semeadura direta em áreas de recuperação (APP, RL e outras), tendo participado, nesta estação chuvosa, da semeadura de 172 ha entre São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Pará. Ela é resultado da parceria entre a Agroicone, que coordena o projeto, e o Instituto Socioambiental (ISA), que desenvolveu a muvuca, contando com recursos da entidade Forests, do Reino Unido.

“Queremos um protocolo simples para que a técnica seja adotada por qualquer um, pessoas ou organizações, pois nem sempre será possível se ter a presença de um técnico”, afirma Laura Antoniazzi, coordenadora da Iniciativa Caminhos da Semente. Ela enfatiza que o método é mais simples do que outros, mas que existe todo um conhecimento por trás. Mesmo assim, diz que encontra desafios em sua aceitação e reconhecimento por técnicos e pela legislação de alguns estados. 

Um aspecto importante do trabalho, como salienta, é o seu impacto social nas comunidades coletoras de sementes nativas, pela renda adicional que proporciona às famílias (veja quadro) de assentados, quilombolas e aldeias indígenas. Numa comunidade de Goiás, um estudo mostrou um acréscimo de renda de R$ 16 mil a R$ 20 mil/ano por unidade familiar.

Para Maxmiller Ferreira, zootecnista e biólogo, que atua na área técnica da iniciativa, o principal obstáculo que a semeadura direta enfrenta é a transferência de tecnologia que precisa acontecer. Quanto à questão da disponibilidade de sementes, avalia que já existe um potencial grande a ser utilizado nas regiões do País, mas ressalva que o Sudeste perdeu muito de sua vegetação nativa, embora ainda existam remanescentes passíveis de serem trabalhados, bastando para isso a capacitação da população local.

O técnico diz que a semeadura direta é flexível e pode ser realizada em vários tipos de solo e topografia, de forma mecanizada ou manual, sendo vital o uso de espécies da região adaptadas, com ou sem a realização da adubação verde com as leguminosas, sendo que o gergelim tem sido utilizado para o controle das formigas. No rol de espécies que tem utilizado estão baru, pequi, cagaita, abiu, aroeira, queroba, mogno, bacupari, peroba, entre outras.  Várias das espécies também são do interesse alimentar para pessoas e animais.

A opção mais acertada tem sido a não quebra da dormência, deixando o ritmo normal das sementes, mas, a depender da situação, poderá ser realizada. Numa área plana, sugere a realização de duas ou três gradagens e uma com a grade niveladora antes de o solo receber as sementes, que devem ser misturadas com areia ou terra fina na calcareadora para homogeneizar a distribuição de sementes de vários tamanhos. A incorporação vem a seguir, mas não de maneira profunda. O monitoramento da área é vital nos primeiros dois meses, a cada 15 dias para identificar falhas, volta do capim e outros problemas. Uma capina seletiva pode ser necessária.

Plantas do futuro


Para atender à demanda por sementes de espécies nativas na   restauração de áreas degradadas, foi criada em 2007 a Rede de Sementes do Xingu, em Mato Grosso, englobando 21 municípios com a participação de assentamentos, reserva extrativista, terras indígenas e quilombolas.

Contando com 568 coletores, a maioria mulheres, a Rede comercializou no ano passado 761 kg de sementes, que passam por análise de qualidade.  Os valores pagos variam muito em função da espécie e de suas características. Um quilo de semente de piriquiteira sai por R$ 126,00 e de jatobá, R$ 25,00.

Antônio Martins, integrante da Rede, conta que estão fazendo testes para o uso da semeadura direta com mix de sementes para a implantação de áreas em sistema silvo-pastoril. Ele conta que foram estabelecidos  canteiros com a muvuca com capim ao meio e cerca elétrica. As espécies utilizadas foram angico, aroeira, jabotá, bananeira e moringa, entre outras.

Ele reconhece que, no primeiro teste, o resultado ficou aquém do esperado, por errarem nos volumes de espécies, como o gergelim, que foi em demasia. “Mas continuamos aprimorando o manejo, pois vemos potencial com a semeadura direta melhorando o meio ambiente e trazendo alimentos a pessoas e animais”, afirma.

Coleta da espécie piriquiteira

(Nota: o repórter da Balde Branco viajou ao Mato Grosso a convite do ICONE – Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Intenacionais)

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