balde branco

Com a pecuária leiteira como a principal atividade econômica, prossegui buscando sempre uma pecuária sustentável, por meio de melhores resultados com os menores custos possíveis, mas sempre primando pela qualidade do rebanho, melhorando a produtividade. As tecnologias sempre foram minha grande inspiração e suporte

ENTREVISTA

NORBERTO BOECHAT DE MORAES RIBEIRO

Ser produtor de leite,

Uma paixão há mais de 64 anos

Norberto Boechat de Moraes Ribeiro, é engenheiro agrônomo pela Escola Nacional de Agronomia (ENA)/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, formado em 1957. Iniciou na atividade leiteira também em 1957 e, hoje, aos 90 anos, continua na lida antes do romper da manhã, acompanhando todas as tarefas que vão garantir um bom volume de leite de qualidade no tanque. Aqui ele relata o amor pela atividade e tudo o que conseguiu com ela, tendo como alicerce nessa longa caminhada o apoio e a presença marcante de sua esposa, Vasti, e de seus filhos. Ah, como ele faz questão lembrar, a companhia constante, sempre em suas mãos, da revista Balde Branco, da qual é leitor desde 1987. Inclusive, ela fez parte da decoração do bolo em comemoração aos seus 90 anos.

Balde Branco – Quando o sr. começou a se dedicar à atividade leiteira, que se tornou uma verdadeira paixão?

Norberto Boechat M. Ribeiro – No dia 20 de janeiro de 1956, adquirimos a Fazenda São João, em Itaperuna, Rio de Janeiro, com área de 33 alqueires, por meio de compra financiada por meus pais, Arionaldo Boechat e Eliza Moraes Boechat, em três pagamentos anuais, posteriormente reembolsando a eles, em sociedade com meu irmão Décio Moraes Boechat. Ao me casar, vim residir aqui com minha esposa, Vasti Lacerda Tinoco Boechat, que era professora na escola primária da fazenda. Inicialmente, nosso interesse era criar gado de corte, mas por contingência da situação, passamos a explorar economicamente o leite de algumas vacas de corte do gado que adquirimos logo no início. Com o tempo, a atividade leiteira se tornou uma verdadeira paixão.

BB – Enfrentou muitos desafios nesses primeiros tempos?

NB – Em face da inexistência de coleta, tínhamos que atravessar o leite em latões por 6,5 quilômetros no lombo de dois burros para ser coletado pelo caminhão leiteiro que passava em outra estrada. Com o aumento da produção, tivemos que trocar os burros por um carroção para levar o leite àquele ponto. Naquela época, estávamos com 400 litros/dia e precisávamos alternar os bois para levarem o leite a Itaperuna, pois estava demasiadamente penoso para eles (13 quilômetros de distância, que totalizavam 26 ida e volta). Também tínhamos um jipe, que logo foi trocado por uma Rural, que, mesmo tracionada nas quatro rodas, havia necessidade de ser puxada por bois, pois já eram dez latões de leite (a tampa de trás ia aberta e sem o banco traseiro). Os desafios eram muitos, pois na estrada de acesso à cidade, principalmente no verão, havia atoleiros em vários pontos. Sempre enfrentamos desafios com oração e muito trabalho. Era importante vencê-los e colocar nosso leite no mercado. Teve época de oferecermos todo o combustível ao caminhão de coleta para ir à fazenda, mas nenhum dos leiteiros aceitava o desafio de um compromisso diário em nossa estrada. Paralelamente, desenvolvíamos algumas culturas como arroz (que começamos plantando pouco, mas se tornou importante para nossa economia, pois os meeiros que plantavam e colhiam arroz capinavam e roçavam os pastos na entressafra) e milho (para subsistência: para vacas, porcos e galinhas). Criávamos porcos e galinhas também para consumo próprio, mas sempre havia alguns para vender.

BB – Como era o rebanho nos primeiros anos da atividade?

NB – No início, o rebanho era mestiço, mas fomos tomando gosto e iniciamos uma fase de melhoramento genético, que culminou com uma parceria com a Fleischman y Royal, que oferecia o veterinário qualificado e o sêmen de touro Holandês a preço acessível. Tivemos a primeira bezerra fruto de inseminação artificial da região e do Estado. Naquela, já tínhamos os dois primeiros filhos. Os negócios foram crescendo e compramos várias áreas em torno da fazenda, ampliando-a para mais de 100 alqueires. Entregávamos o leite à Cooperativa Agropecuária de Itaperuna e éramos o segundo produtor de leite na época da cooperativa, que captava leite em vários municípios da região noroeste do Estado do Rio de Janeiro. Por vários anos, fomos premiados em diversos concursos leiteiros em 1º., 2º. e 3º lugares, na Exposição Agropecuária de Itaperuna. Eram mais de 1.500 litros/dia e houve época em que não era possível colocar o leite todo no caminhão, em razão de o horário da coleta ser rígido, sendo necessário levar o remanescente na Rural. Produzíamos muito leite, principalmente se levarmos em conta nossa região, que não é expressiva na pecuária leiteira. Em dado momento de nossas atividades, com o crescimento dos negócios e da família, terminamos a sociedade, dividimos as terras. Já com 300 alqueires de terras, 150 para cada um, cada um de nós passou a gerir o próprio negócio.

BB – Como o senhor encarava a atividade leiteira? O que ela significava para o senhor? Era sua principal fonte de renda?

NB – A atividade leiteira começou a ser encarada como nossa principal atividade econômica e prossegui buscando sempre uma pecuária sustentável, por meio de melhores resultados com os menores custos possíveis, mas sempre primando pela qualidade do rebanho, melhorando a produtividade, sem perder de vista os machos que se tornavam produto explorado como gado de corte. As tecnologias sempre foram minha grande inspiração e suporte. O grande impulso para a utilização das tecnologias na fazenda foi a chegada da eletrificação rural, em 1979. A partir de então, tive acesso à maioria dos recursos capazes de otimizar a mão de obra e facilitar diversas atividades que dela dependem.

Se eu tivesse que recomeçar, seria com leite. Costumo dizer que, se cortar a minha pele, sairá leite e não sangue. O leite é um alimento extremamente rico e também uma fonte de renda satisfatória”

  1. O casal Norberto e Vasti e os filhos (esq. para direita): Hilde, Ieda, Leila, Vasti e Norberto Filho
  2. Na comemoração dos 90, a decoração do bolo trouxe a revista Balde Branco
  3. O casal, na comemoração dos 60 anos de casamento
  4. Norberto e Vasti, juntos há mais de 61 anos. Como ele faz questão de enfatizar: “meu apoio em toda essa jornada em todos os momentos. Deus a levou este ano, mas sua contribuição para nossa história pode ser constatada em cada parte da casa e da fazenda”

BB – Nessa busca pela melhoria, o conhecimento e a informação sobre tecnologias e o setor também lhe interessavam?

NB – Sem dúvida, pois nenhum produtor consegue avançar na atividade se não aprimorar seus conhecimentos constantemente, assim como sua capacitação e também a de seus funcionários. Buscava sempre as informações em canais televisivos específicos, periódicos científicos, dentre os quais sempre se destacou e se destaca a Balde Branco. Os informativos da Embrapa são sempre consultados.

BB – E essas informações e conhecimentos o motivaram a introduzir novas tecnologias na propriedade?

NB – Cultivei as braquiárias, depois os panicuns e em seguida as canas forrageiras, posteriormente o BRS-Curumim e o Capiaçu (para silagem). Sempre me vali da silagem e dos piquetes com pastejo rotacionado (Mombaça e Paredão) visando ao aumento da produtividade. A silagem de sorgo, capim, cana e milho (dois silos-trincheira com capacidade de 150 toneladas cada um) visa sobretudo suprir o gado de volumoso no período da entressafra, ao qual é associada à ração balanceada, nos cochos, ao gado de leite. Dentre as tecnologias, destaco a importância da adoção da ordenhadeira mecânica com circuito fechado, com leite resfriado desde 1981. O trator e seus implementos sempre facilitaram todo o trabalho na fazenda, sendo este um importante aspecto das tecnologias que desde o princípio vêm sendo utilizadas. A partir de 80 anos, decidi focar no gado de corte, mas como as vacas são a minha maior paixão, venho utilizando FIV (fecundação in vitro) Girolando F1 a fim de manter um rebanho leiteiro com uma produção em níveis que me agradam. Desde esse momento, passei a me atentar para o gado de corte, priorizando raças de dupla aptidão (Senepol, Guzerá e algum Nelore).

BB – Quais as principais tecnologias que adotou e que deram bons resultados?

NB – Além do melhoramento genético, a utilização dos capins já citados contribuiu para o manejo em geral e reprodutivo. O controle reprodutivo visa sobretudo diminuir o intervalo entre partos. Ordenhadeira, inseminação artificial, FIV e pastejo rotacionado são tecnologias que ampliam horizontes e permitem melhorar a produtividade. Vale dizer que, na busca dessas melhorias, fizemos algumas parcerias, como a com a Embrapa Gado de Leite, pela qual realizamos um teste de pró-gênese de Gir Leiteiro durante vários anos. As amostras de leite eram coletadas e enviadas a Juiz de Fora (MG). Também com a Emater-RJ, que promoveu aqui na fazenda alguns dias de campo, alguns com objetivo de promover cursos de inseminação artificial a estudantes de nível técnico e outros voltados à piscicultura (construção de tanques e alimentação aos alevinos). Recentemente, tivemos uma parceria com o curso de Medicina Veterinária da Universidade Iguaçu, Campi Itaperuna, com algumas atividades de aulas práticas.

BB – Qual a importância de o produtor de leite buscar informações e conhecimentos sobre a pecuária leiteira, o mercado e inovações tecnológicas? Para o sr., a revista Balde Branco contribuiu e contribui nesse sentido?

NB – Sou assinante da Balde Branco desde 2003, mas já a lia desde 1987, se não me falha a memória. Tenho aprendido muito com as matérias de cunho técnico por ela veiculadas, as novidades em termos de tecnologias e até mesmo com os medicamentos de vanguarda que se destacam na publicidade, de novas drogas mais eficazes para algumas situações específicas. A revista sempre traz um ponto de vista importante, com opiniões abalizadas de pessoas qualificadas para tal, pareceres técnicos relevantes, orientações para os diferentes momentos, sempre contemplando temas atuais e de interesse do produtor rural. Sempre gostei dos periódicos que aproximam a vida do campo às tecnologias, às novidades. Assinei também a Globo Rural por muitos anos, certa vez fizeram uma matéria aqui na fazenda sobre atividade agropastoril que desenvolvo há quase 65 anos.

BB – Seu filho o ajuda na atividade? Quais as metas da família na atividade leiteira?

NB – Sim. Norberto Boechat Filho é veterinário e sempre teve importante papel em minha atividade. Atualmente sua atuação na assistência veterinária é indispensável, inclusive promove os protocolos de IATF (inseminação artificial em tempo fixo) e prepara os animais para receber a transferência de embrião. Além disso, dá assistência permanente e realiza os partos cuja interferência do veterinário seja necessária. Ele tem o próprio plantel, explora a atividade leiteira e mantém seu rebanho e a pastagem bem cuidados.

BB – Qual o papel de sua família para o seu sucesso?

NB – Sempre contei com o apoio da família para o desenvolvimento de minha atividade. Desde cedo, Vasti, minha esposa, sempre foi uma companheira que me incentivou, participando ativamente dos negócios da fazenda, acompanhando-me aonde eu tivesse que ir: pesar boi, inspecionar serviços na lavoura, sempre ia comigo a todo lugar. Depois que chegaram nossos filhos e as tarefas na escola e administração da casa, ela progressivamente foi se distanciando dos negócios para assistir a família, mas sempre deu todo apoio às minhas atividades e atribuo grande parte de nossas vitórias à participação dela. Ela era dedicada, trabalhadeira, mantinha a despensa guarnecida, os filhos bem cuidados e era excelente professora. Deus a levou este ano, mas sua contribuição para nossa história pode ser constatada em cada parte da casa e da fazenda.

BB – Aos 90 anos em plena atividade, que mensagem o sr. gostaria de deixar aos produtores de leite?

NB – Se eu tivesse que recomeçar, seria com leite. Costumo dizer que, se cortar a minha pele, sairá leite e não sangue. O leite é um alimento extremamente rico e também uma fonte de renda satisfatória. Criamos e educamos uma família grande com recursos advindos dessa atividade e ela ainda foi suficiente para ampliar os negócios e adquirir patrimônio. E, para as novas gerações, inclusive meus netos e bisnetos: que tenham sempre muita fé em Deus, a honestidade, o amor pela profissão e a persistência, pois estes são os ingredientes indispensáveis à vitória nos empreendimentos profissionais e que escolham a profissão pelo critério da aptidão, pois, quando gostamos do que fazemos, minimizamos os efeitos dos espinhos e torna-se mais fácil prosseguir e nunca desistir. O gosto pelo que se faz e a persistência são ingredientes indispensáveis à vitória nos empreendimentos profissionais.

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