balde branco

CRÔNICA

Paulo do Carmo Martins

Economista e pesquisador da Embrapa Gado de Leite

 O Heverardo acredita
que não basta ser
comprador e vendedor.
Tem de criar relação
ganha-ganha de longo
prazo com os parceiros”

Sigam o Heverardo

Fiz recente visita técnica ao Ceará, a convite das entidades do Estado. Leite é a cadeia produtiva mais importante do agronegócio cearense, correspondendo a 15% do valor da produção. Além da renda, há que se considerar os empregos gerados em todos os 184 municípios, muitos com pouco dinamismo econômico, sendo o leite o fator de movimentação da economia local.

A produção vem crescendo 12,2% ao ano, nos últimos cinco anos, ao contrário da produção nacional, que patina e não cresce desde 2014. E a produção cresce puxada pelo aumento da produtividade, que ainda é a metade da média brasileira, mas é o dobro do que era há uma década. O Estado é o décimo produtor de leite do Brasil e o terceiro do Nordeste. Produz apenas 2,2% do leite brasileiro. Mas o Ceará consome o dobro do leite que produz. Portanto, há espaço para crescer.

Em 2007, pela Embrapa Gado de Leite, coordenei um estudo naquele Estado, quando ficou evidente esse potencial de mercado. E o principal gargalo não é a escassez hídrica, mas a fragilidade da organização do setor de leite e derivados. Isso continua. Afinal, com cerca de 2.500 laticínios e queijarias, mas apenas 3% sob inspeção sanitária, não é possível avançar sem que ocorram esforços coordenados dos setores público e privado neste sentido.

Amilcar Silveira é o novo presidente da Federação da Agricultura do Estado. Ele assumiu disposto a liderar o processo de organização da cadeia produtiva. Para isso, entende que é preciso atuar neste mundo cinza das queijarias informais. Ele conta com o Senar, que está sob sua governança, e com o Sebrae, o Sindilaticínios, a Universidade e o Governo do Estado. Isso é um arco institucional que faz toda a diferença. Desse esforço deverá participar a Betânia, a maior empresa de laticínios do Nordeste, que se associou à mineira Embaré e a um fundo de investimento, para dar origem à quinta maior empresa láctea do Brasil.

Nessa visita, conheci Carlos Mattos. Quando secretário da Agricultura, deixou dois legados disruptivos: fez do Ceará produtor de rosas e frutas de alto valor agregado e disseminou a palma forrageira, viabilizando a produção de leite no interior do Estado. Também conheci três propriedades: a do Alexandre Gontijo e as de dois assíduos leitores desta coluna, o Fernando Camera e o Heverardo Vasconcelos.

Em 1969, ainda estudante de Agronomia, o Heverardo começou a produção de ovos na periferia de Fortaleza. Mas a cidade cresceu e em 1983 ele foi para o município de Beberibe. Ali, o negócio se expandiu e se diversificou. Hoje, ele produz 1,8 milhão de ovos/dia e abate 2.500 frangos por semana, tem 100 mil pés de caju e ainda produz 13 mil litros de leite/dia.

As grandes empresas buscam a sustentabilidade, traduzida na sigla ESG, ou seja, adoção de boas práticas ambientais (E), sociais (S) e de governança (G). Pois, a filosofia ESG já é praticada há anos pelo Heverardo. Ele adota agricultura regenerativa, cuida do solo, evita contaminações, planta árvores e usa racionalmente a água. Os cajueiros não são plantados com o tradicional espaçamento 7×7, mas 7×21, para evitar doenças. No meio, planta capim massai e sorgo. Ele criou o sistema ILPF com caju.

O Heverardo criou um inovador modelo de negócio baseado em relação de confiança com parceiros. Na avicultura, a integração sempre é do abatedouro com os criatórios. Pois, com o Everardo a integração é do seu criatório com os produtores de milho e soja dos Estados vizinhos, facilitando-lhes acesso ágil aos insumos e garantindo a compra da safra. Oferece transporte de insumos e de produção, por meio da frota de caminhões próprios. No leite, optou pelo compost barn, fez parceria com um laticínio para produzir queijo coalho. Sua produção chega no varejo com a sua marca “Tijuca”. O Heverardo acredita que não basta ser comprador e vendedor. Tem de criar relação ganha-ganha de longo prazo com os parceiros.

Com os empregados, a relação é de inclusão e acolhimento. Conheci locais aprazíveis usados para refeições e lazer. Mas seu carinho especial é com a escola, mantida para os filhos dos empregados. E, quem deseja seguir nos estudos, tem apoio no custeio. Já são 32 os que chegaram à pós-graduação. Motivados e se sentindo acolhidos, custa menos exercer controle sobre os seus 2.200 empregados, além dos 500 safristas de caju, espalhados em 5 mil hectares.

O Heverardo educou seus três filhos para o trabalho. E criou um Conselho familiar rígido, em que a palavra final é dos números e não da vontade individual. Com planejamento de longo prazo e com resultados sempre alcançados, fica mais barato captar recursos financeiros para continuar crescendo.

O Ceará sempre me encantou, mais pelas pessoas que pelas praias. Terra de gente culta, dedicada e criativa, existe hoje uma convergência de propósitos, que pode gerar um salto quântico no setor lácteo do Estado. E o Heverardo, que faz da humildade e da coragem para inovar a base da sua sabedoria, tem muito a contribuir. Ele pratica ESG. Sigam o Heverardo!

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