balde branco

A importância da utilização de um sistema de integração consiste no fato de ele garantir a produção de alimentos, fibras e energia com sustentabilidade ambiental. Com a intensificação das áreas, temos a redução de desmatamento e mitigação da emissão de gases do efeito estufa João Antônio dos Santos

ENTREVISTA

Isabel Cristina Ferreira

Sistema de integração é produzir com

SUSTENTABILIDADE

Isabel Cristina Ferreira, médica veterinária (Ufla), mestrado e doutorado em Zootecnia (Escola de Veterinária da UFMG), atualmente trabalha como pesquisadora da Embrapa Cerrados na área de manejo animal e com sistema de produção de leite a pasto em ILPF.

Balde Branco – Em síntese, o que é um sistema de ILPF e por que é tão importante sua utilização? Inclusive em junho foi realizado um evento virtual com a Fazenda Santa Brígida.

Isabel Cristina Ferreira – O sistema de ILPF é uma forma de produzir com sustentabilidade porque integra atividades agrícolas, pecuárias e florestais realizadas na mesma área, em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação. Pode combinar diferentes formas ao longo do tempo: a lavoura com a pecuária (ILP), a pecuária com a floresta (IPF) ou o sistema silvipastoril. E ainda pode ter a integração lavoura-floresta (ILF) e os três componentes na mesma área lavoura-pecuária-floresta (ILPF). A importância da utilização é porque é realizada a produção de alimentos, fibras e energia, com sustentabilidade ambiental. Com a intensificação das áreas, temos a redução do desmatamento e a mitigação da emissão de gases do efeito estufa. O que torna viável a produção da mesma quantidade de produto, ou até o aumento, sem a necessidade de incorporar novas áreas. Já em relação ao evento, a Fazenda Santa Brígida, em Ipameri (GO), é uma Unidade de Referência Tecnológica de sistemas integrados, local onde vêm sendo realizados muitos estudos para responder a muitas perguntas. E, anualmente, são apresentados resultados desses estudos em eventos como dias de campo ou virtualmente, como foi o que ocorreu em junho. É um caso de sucesso para que o produtor tenha como exemplo.

BB – Qual a situação atual dos avanços da ILPF no País? Você poderia citar a área coberta atualmente com o sistema, as regiões onde predomina e também qual o quantitativo para fazendas leiteiras e em que regiões?

ICF – Considerando todas as formas de integração, o Brasil tem 11,5 milhões de hectares com esses sistemas. A região em que a técnica predomina é a Centro-Oeste. Os Estados com maiores áreas de ILPF são MT, MS, RS e MG. Dos produtores rurais que são pecuaristas e que adotam a integração, cerca de 83% utilizam o sistema de ILP (dos quais 9% utilizam a ILPF e 7%, a IPF). Dos produtores de grãos que fazem integração, 99% adotam o sistema de ILP (dos quais somente 0,4% adotam a ILPF e 0,2%, a ILF). Ainda não temos um levantamento específico para a produção leiteira, mas se observa que os Estados do RS e de MG têm maior nível de adoção desses sistemas na pecuária leiteira. Na Região Sul do Brasil, a utilização das árvores com o objetivo de quebra-ventos tem avançado, e mantém a qualidade do capim, quando tem proteção contra o vento.

BB – O pecuarista, de modo geral, está mais consciente da importância da ILPF para o meio ambiente e para seu negócio?

ICF – Sim. Devido a dois fatores principais, um dentro da porteira e outro fora. O interesse e a necessidade dos pecuaristas na recuperação das pastagens e a integração é uma estratégia que diminui o custo de produção na recuperação de pastagem. Além disso, há necessidade de adequar ambientalmente a atividade com a pressão dos mercados e da sociedade consumidora de produtos de origem animal.

BB – E quanto ao produtor de leite, ele está se conscientizando? Caso não, por que isso ocorre, na sua opinião?

ICF – O produtor de leite tem mudado de perfil, sendo muito empreendedor, com consciência ambiental, dando valor ao bem-estar animal e à qualidade do produto. Entretanto, existe ainda uma distância grande entre a consciência do produtor e a capacidade de fazer sistemas integrados. Na minha avaliação, isso ocorre pela dificuldade de obter recursos para investimento, principalmente por parte do pequeno e do médio produtor, inclusive para fazer uma reforma de pastagem.

BB – Você vê uma relação da adoção desse sistema com a profissionalização nas fazendas, inclusive uma forma de atender às exigências do mercado consumidor interno e internacional?

ICF – Sim. Quando a fazenda investe em planejamento, com metas para crescimento do rebanho e da produção, temos observado a preocupação de atender ao mercado consumidor, principalmente interno. Em algumas propriedades com produção mais intensiva, os sistemas de ILP e ILPF são adotados para as categorias de recria de bezerras e vacas secas.

BB – O que já se tem em termos de resultados, no geral, que você destacaria quanto à ILPF?

ICF – Realizamos um estudo na região do Cerrado com vacas Gir leiteiro e Girolando sob sombra da ILPF e sob pleno sol da ILP. As árvores de eucalipto foram dispostas em linhas simples com 1,5 metro de distância entre cada uma e com renques distanciados a cada 25 metros, dispostos no sentido leste-oeste, totalizando 267 árvores por hectare, com área de ocupação das árvores de 8%. Observamos por três anos que as vacas Gir Leiteiro sob sombra aumentaram a produção de leite em 24%. No período da seca, durante o consumo de silagem de milho, as vacas sob sombra aumentaram a produção de leite em 17% e, na estação chuvosa, em 8%. Quando se observa o efeito da sombra nas fases da lactação, a produção a mais das vacas sob sombra foi de 18% no início da lactação, (1 a 75 de DEL). Outro fator de destaque no sistema sombreado é o desempenho reprodutivo. No sistema com aspiração de ovócitos e fertilização in vitro, as vacas Gir sob sombra, no período da seca, aumentaram o número de folículos em 16%, o número de ovócitos totais em 75%, o número de ovócitos viáveis em 81% e o número de embriões em quatro vezes, quando se comparou com as vacas Gir a pleno sol.

BB – Qual a importância desse sistema de sustentabilidade para o País como um todo e especificamente para a pecuária leiteira?

ICF – É importante para se adequar às normas ambientais e, especificamente, para a pecuária leiteira, que busca produzir alimento (volumoso e grãos) com qualidade em quantidade e a menor custo, principalmente no período seco do ano. O produtor de leite deve ser um bom produtor de forrageiras para pastejo, ensilagem ou fenação. O sistema integrado permite a produção, principalmente de volumoso, com custos menores. Isso deixa a propriedade autossuficiente, ou quase, reduzindo a compra de alimentos de fora da fazenda.

O produtor de leite deve atender à necessidade de adequar ambientalmente sua atividade, por causa da pressão dos mercados e da sociedade consumidora de produtos de origem animal”

BB – Destaca-se sempre que uma das vantagens desse sistema para o produtor de leite é sobretudo propiciar conforto (sombra) para os animais. Porém, os benefícios também são outros, não?

ICF – Os outros benefícios, além da sombra pelo conforto térmico, são a venda da madeira ou o uso dela na fazenda e a melhor qualidade da forrageira. No nosso estudo, o teor de proteína do capim mombaça sob sombra foi 30% maior do que no capim sob sol, em função da maior ciclagem de nutrientes, maior matéria orgânica no solo.

BB – No caso da fazenda leiteira, quais as combinações mais indicadas – tipos de forrageiras e variedade de árvores?

ICF – Os sistemas de produção são muito diversos no Brasil, em função de diferenças de clima, solo, relevo, aptidão agrícola e pecuária. Como regra geral, as espécies forrageiras e florestais devem ser adaptadas ao clima e ao solo da região e ter disponibilidade de mudas e sementes. Com a raça leiteira é da mesma forma, é importante ter animais adaptados às condições de criação para diminuir o custo de produção. Quando são feitas muitas mudanças no ambiente de criação/produção para adaptar as necessidades da raça, aumentam-se os custos fixos de produção. As combinações mais testadas e avaliadas na região do Cerrado são gramíneas do grupo das braquiárias e panicuns com eucalipto geralmente híbridos (E. urophylla x E. grandis e E. urophylla x E. camaldulensis). A principal raça leiteira criada a pasto é o Girolando, porém há outras opções de cruzamentos também adaptados ao ambiente tropical. Os dados de massa de forragem no sistema sombreado foram de, em média, 4,1 toneladas/ha, sendo que essa produção foi 22% menor do que a pleno sol. Quanto ao crescimento das árvores de eucalipto no ILPF, medido pela produtividade individual (volume individual), foi superior à produtividade de povoamentos de eucalipto adensados.

BB – As pequenas e médias propriedades podem adotar esse sistema? Há um limite mínimo de área?

ICF – Sim, as pequenas propriedades podem lançar mão deste sistema. Não existe limite de área, se o uso do componente florestal for para uso interno. O produtor deve analisar se na sua região há demandas para as espécies que está plantando. Geralmente, o limite é de recursos para investimento. Para o pequeno produtor, a dificuldade é financeira, associada à escassez de assistência técnica pública em algumas regiões.

BB – Para um produtor que deseja adotar um sistema de ILPF e ter sucesso com isso, quais devem ser os primeiros passos? É preciso contar com a orientação de um técnico?

ICF – O produtor que deseja adotar o sistema na sua fazenda deve planejá-lo com a orientação de um profissional capacitado para avaliar o melhor local, as melhores espécies adaptadas ao solo e clima. Então, o primeiro passo é planejar junto à assistência técnica, e, após escolher a área, fazer análise do solo e a posterior correção, conforme recomendação da análise e escolha das cultivares/espécies adaptadas e que atendam à demanda do mercado da região, tanto para grão, madeira ou forrageiras.

BB – Quais são os principais desafios na adoção e na condução do sistema ILPF?

ICF – Durante todas as fases do sistema é primordial um acompanhamento gerencial de excelência. Na introdução do componente florestal com eucalipto, o principal gargalo é o controle de formigas cortadeiras. É necessária uma vigilância constante. O manejo das árvores por meio da desrama é indicado para maior incidência de luz na pastagem. Para isso, é fundamental mão de obra treinada. Além disso, toda essa operação tem alto custo. Outro desafio é o corte e o transporte da madeira. Dependendo da região, se a cadeia de produção da madeira não estiver devidamente estruturada, pode ser um fator limitante.

BB – Quais os custos – dá pra estimar um custo médio por hectare, por exemplo? E qual o custo x benefícios ao longo dos anos?

ICF – Os custos dependem muito da região, dos preços de insumos (mudas, fertilizantes, mão de obra, sementes), da terra e da capacidade de gerenciamento desses fatores da produção, além da escala de produção. Considerando todos esses itens, o custo médio por hectare fica em torno de R$ 3.500,00, mas pode variar R$ 1.000,00, para mais ou para menos. É considerado um investimento de longo prazo e o benefício do ponto de vista da diversificação da receita está relacionado com a venda de madeira, silagem ou grãos, além do leite e de animais. É um projeto de longo prazo em que os benefícios, principalmente financeiros, são percebidos algum tempo após a adoção do sistema.

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