balde branco

Fala-se muito que os pequenos e médios vão morrer e o grande vai ficar. Há grandes parando, médios e pequenos parando. Porém, têm pequenos, médios e grandes muito bons. E quem vai ficar no ramo é o eficiente, aquele que busca trabalhar segundo as boas práticas e visão profissional

ENTREVISTA

MÁRCIO HAMM

Só com gestão eficiente

o leite se torna um bom negócio

Natural de Curitiba, nascido numa família de produtores de leite, na colônia de Witmarsum (PR), a vida de Márcio Hamm sempre esteve ligada à produção leiteira, conforme gosta de dizer. “Nasci e me criei embaixo de uma teta de vaca”, brinca. Em 2006, ele e sua esposa, Vivian, mudaram para Carambeí (PR), em busca de novas oportunidades.
Como gerente de fazenda leiteira, foi se destacando como profissional e aproveitando as oportunidades. Agora, é um dos sócios-fundadores da Melkstad, uma das maiores produtoras de leite do Brasil.

João Antônio dos Santos

Balde Branco – Fale sobre como surgiu o empreendimento Melkstad.

Márcio Hamm – Em Carambeí, trabalhei numa fazenda como operador e ordenhador, com o intuito de crescer na atividade e poder um dia ser gerente de uma propriedade maior. A oportunidade surgiu em 2010, quando era gerente de uma propriedade e conheci o Diogo Vriesman, que se tornaria meu sócio. Naquela época, 2011, passei a ser gerente de outra propriedade, na qual o Diogo tinha o sonho de produzir leite. Era um sonho dele e do tio dele. Eles me convidaram para fazer parte desse sonho. Aceitei na hora, pois seria uma forma de eu ser produtor de leite. É uma sociedade, mas também sou dono do negócio. Tínhamos um sócio investidor, o Diogo administraria o negócio e eu cuidaria do operacional. Só que não tínhamos vacas nem propriedade.

BB – E como resolveram essa questão – tinham sócio investidor, mas não propriedade nem vacas?

MH – Foi então que tive a ideia de comprar a propriedade de meu pai, que tocava sozinho a atividade e já estava cansado. Acertamos com ele o arrendamento da propriedade e sua estrutura. Duas semanas depois, em março de 2012, já estávamos produzindo 780 litros de leite, com 50 vacas Holandesas. Daí então, com muito trabalho e uma gestão afinada, fomos avançando de projeto em projeto, nos tornamos cooperados da Frísia e, com a entrada, ao longo dessa trajetória, de mais três sócios, formamos em 2014 a sociedade com seis sócios, sendo quatro deles investidores, enquanto eu e o Diogo cuidamos de toda a operação da Melkstad. E assim chegamos, em 2022, com 2.130 vacas em lactação, com produção de mais de 80 mil litros de leite por dia, a segunda maior produção leiteira do País.

BB – Como é o arranjo para ter dado certo o empreendimento, com seis sócios? O que você destacaria que está na base desse sucesso societário?

MH – Para começar, a gente vê a sociedade como uma família, um casamento. Há momentos difíceis, sim, mas são resolvidos com todo o respeito entre os sócios. E principalmente há a organização e uma gestão eficiente que é aprimorada continuamente. Temos uma organização societária do empreendimento em que está definido o papel de cada um dos sócios, para que não haja ingerência de um nas atribuições do outro. Este é o ponto fundamental e básico para o sucesso do negócio. Se não houver isso desde o início, não vai funcionar. 

BB – Mas há discordâncias, opiniões diferentes, claro. Como se resolvem na prática?

MH – Existem divergências de opiniões? Claro que existem. Mas há o consenso de se chegar à melhor opinião e unanimidade. Temos reuniões mensais, com apresentação de indicadores, um balanço avaliado pelos sócios, pois trabalhamos com investidores e é fundamental tocar o negócio com gestão empresarial mesmo. Não existe mais aquele negócio de “tirar um leitinho da vaca”. Temos de ter os números na mão e este, para nós, é o diferencial da pecuária leiteira.

BB – Qual a sua visão, como empresário do leite, da pecuária leiteira como negócio hoje no País?

MH – A gente sempre ouve alguém dizer que o leite sempre suportou muito desaforo, erros, negligência, etc. Só que, hoje, ele não aceita mais. Virou um negócio extremamente profissional. Se fala muito que os pequenos e médios vão morrer e só o grande vai ficar. Há grandes parando, médios e pequenos parando. Mas têm pequenos, médios e grandes muito bons e eficientes. E quem vai ficar no ramo é o eficiente, aquele que busca trabalhar segundo as boas práticas, que aprimora constantemente seus conhecimentos e sua gestão, com visão empreendedora, segundo os princípios da sustentabilidade, hoje no conceito ESG (governança ambiental, social e corporativa). É isso o que o mercado exige. E também, como a margem é pequena, a atividade não suporta mais falhas, erros e qualquer tipo de negligência. Ou seja: quem não for profissional não vai sobreviver na atividade.

BB – A busca pela gestão eficiente na Melkstad sempre foi uma meta?

MH – Sim. E isso é algo que vale para o pequeno, o médio e o grande produtor. Ressalto que não iniciamos com toda a gestão que temos hoje. Essa gestão mudou em 2016, quando procuramos ajuda inclusive do professor Paulo Machado, da Clínica do Leite, do MDA. Foi isso o que mudou nossa vida. Ele apresentou sua metodologia, uma forma muito prática e eficiente de gestão de uma fazenda leiteira. Primeiro, organizar o negócio, setorizar, e aí adotar procedimentos, indicadores e coisas muito simples e de fácil visualização. 

BB – Pode citar um exemplo que ache interessante?

MH – Seriam vários, mas vou citar um deles, que era problemático, o controle da mastite. Temos ordenhadeira rotatória para ordenhar 1.850 vacas, e 21 funcionárias operadoras do equipamento e mais a supervisora-geral. Agora, ao identificarem mastite na vaca, é feita uma marcação, pintada com bastão apropriado (com três cores), que indica o grau da mastite, o teto afetado e o protocolo de tratamento. Em seguida, o animal é encaminhado para o “hospital”, que fica a cerca de 100 metros da sala de ordenha. A vaca chega sem nenhum formulário ou anotação digital. Só pelas indicações visuais em seu corpo (no úbere e teto afetado), o funcionário no hospital já sabe o que deverá fazer. Então, como a vaca com essas marcações está na frente dele, não tem como haver falhas. Depois, tais informações são passadas para o software de gerenciamento do rebanho.

BB – Além dessa prática, a fazenda adota outros procedimentos no controle da mastite?

MH – Antes, usávamos 12 tipos de tratamento para controlar a mastite. Hoje, temos três. Nosso problema não era apenas o número de tratamentos, mas sim a falta de um procedimento padrão de tratamento. A nova prática nos ajudou a ter um procedimento de tratamento mais eficiente. Outro ponto muito positivo foi adotar a tecnologia da Onfarm para fazer a cultura microbiológica na fazenda para identificar o patógeno que causa a mastite em 24 horas. Como cerca de 70% das mastites de grau 1 são gram negativas, não há necessidade do uso de antibiótico, bastando um anti-inflamatório ou então a vaca tem autocura em 48 horas. Antes, tratávamos às cegas 70% delas. Com esses novos procedimentos, nosso custo se reduziu drasticamente.

A atividade leiteira não suporta mais falhas e qualquer tipo de negligência. Ou seja: quem não for profissional não vai sobreviver na atividade”

BB – Você disse que a ordenha é feita pelas mulheres. Por que essa opção?

MH – Só mulheres que fazem a ordenha, pois demonstram uma habilidade especial nesse trabalho delicado, que exige extremo cuidado. A ordenha rotatória dá conta de 1.850 vacas e temos a robotizada, que ordenha mais 200 vacas com acesso livre. E mais uma ordenha acessória para as vacas com antibiótico e limpeza de colostro. Todas as funcionárias foram devidamente treinadas dentro do programa do MDA, assim como todos os supervisores da fazenda, alguns até pela segunda ou terceira vez. Eu mesmo fiz mais de uma vez, sempre me aperfeiçoando. Esses princípios de gestão sempre têm de vir do dono para o gestor ou gerente e deste para o supervisor e chegar ao operador. Temos qualificado as pessoas pelo grau de hierarquia.

BB – Você acha que a tecnologia é uma via de mão dupla – ou seja, adota-se certa tecnologia e esta exige novas mudanças de adequação para dar os resultados esperados?

MH – Sim é fato, pois uma coisa vai complementando a outra para se atingirem os resultados esperados. Por exemplo, instalamos robô de ordenha da Lely, e, com ele, veio a necessidade de uma formulação mais adequada da dieta para as vacas nessa situação, que têm acesso livre, o que lhes dá mais conforto. Isso tudo porque é fundamental o bem-estar animal. A vaca fica à vontade. Ela escolhe. E a produtividade em cima do bem-estar animal. E isso é algo que não se fala da boca pra fora, temos que levar a sério porque ela responde em produtividade, ela te conta que precisa ter esse cuidado.

BB – Fale um pouco da questão ambiental na Fazenda Melkstad.

MH – Temos todo o tratamento de dejetos. Pra começar, as nossas camas são de areia, que é reutilizada, depois de passar por um tratamento. Faz quatro anos que não compramos areia. Toda a parte da água do flushing é reutilizada, após tratamento com separação do líquido e das fibras dos restos de alimento. O líquido volta pra fazer o flushing e o excedente vai pra fertirrigação. Estamos com projeto de gás metano, gerado pelo biodigestor, como combustível para nossos veículos. Também temos a energia das placas fotovoltaicas, assim como aproveitamos água das chuvas, captada dos telhados, que vai para duas lagoas. Essa água é usada para resfriamento das vacas e na limpeza externa da área da sala de ordenha. O poço artesiano hoje é só para as vacas beberem e para limpeza interna da tubulação.

BB – Quais as metas da Melkstad para os próximos anos?

MH – Hoje, estamos com um volume de produção diária de 88 mil litros de leite entregues, com 2.130 vacas produzindo na média de 40 litros dia/animal. Nossa margem gira ao redor de 15%. A meta agora é chegar a 2.500 vacas em lactação, com 400 animais em ordenha robotizada, 1.800 a 1.900 animais em ordenha rotatória e uns 100 animais que estão no pós-parto imediato, em tratamento com antibiótico, que têm ordenha acessória separada. A produtividade buscada é chegar aos 45 litros de leite/vaca/dia.

BB – No Agroleite 2022, realizado em agosto, a Melkstad foi palco de um evento de sucesso, em parceria com a Semex, não?

MH – Sim, foi excelente. O primeiro evento da Melkstad em parceria com a Semex. A Melkstad está num projeto para fornecer genética de alto padrão para o País todo. Como sempre há interesse de criadores de todas regiões brasileiras em conhecer nosso empreendimento, organizamos esse evento como parte do Agroleite, em três dias de visitação à fazenda. Fizemos o Show Case Semex e Melkstad, que permitiu a mais de 500 visitantes conhecerem a fazenda e o trabalho desenvolvido com suporte do Programa Semex Embryos. Pegamos amostragem dos 20 animais, como resultado da forma como estamos trabalhando a genética, com os processos, as pessoas, e nossos parceiros, divulgando nossos parceiros que estão lá 365 dias por ano junto conosco, “agarrados na teta da vaca”.

BB – E a Melkstad disponibiliza também animais da raça Girolando?

MH – Tivemos a primeira venda de animais, que foram 11 bezerras, sendo seis Girolandas e cinco Holandesas, o que foi um sucesso tremendo que a gente nem imaginava. Foi um leilão. Isso nos trouxe uma alegria imensa porque mostra que estamos no caminho certo. Foi uma oportunidade aos visitantes e para nós de troca de ideias, de informações, com técnicos, produtores e pessoas de laticínios e de cooperativas. Foi uma festa e ótimos negócios. Recebemos pessoas do Sul ao Norte do País, do Paraguai, do Chile e da Argentina. A base de nosso negócio de venda de genética é a raça Holandesa e, também, usando esse alto padrão genético em cruzamento com touros da raça Gir Leiteiro, produzimos animais Girolandos para venda.

BB – O que para você é ser produtor de leite?

MH – Produzir leite é cada vez mais complexo e desafiador. Muito edificante, apesar de que a margem é cada vez menor. Daí que temos de buscar mais eficiência da porteira pra dentro, pois da porteira pra fora o produtor ainda não tem essa força. É certo que temos entidades buscando “essa força” para o produtor. Em cada canto da fazenda, sempre tem um litro de leite perdido, conforme o professor Paulo Machado sempre fala. Então, o produtor deve buscar esse litro perdido, aumentando a produtividade, reduzindo os custos e elevando sua margem na atividade.

BB – Para o pequeno e médio produtor, que saída você vê para se fortalecer como classe produtora – ser cooperativista, entrar numa associação e grupos de produtores, por exemplo?

MH – Falo de nossa experiência. Em nossa região, o sistema cooperativista funciona muito bem e tem um sem-número de bons exemplos. Aqui as cooperativas são fortes e fornecem a seus cooperados, na imensa maioria pequenos produtores, tudo o que ele precisa para tocar bem seu negócio, com preço mais estável para o produtor. Mas há regiões em que o cooperativismo não é tão forte, então o produtor pode participar de associações para ajudar em negociações de preço, de commodities, de insumos para tentar ajudar na redução do custo.

Abrir bate-papo
1
Escanear o código
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?