TENDÊNCIAS
Pedro Braga Arcuri
Pesquisador da Embrapa Gado de Leite
Recente trabalho sobre o bem-estar das vacas foi publicado em revista do prestigioso grupo de publicações científicas Nature, demonstrando que, num rebanho de 333 vacas, existe comunicação efetiva entre elas, tanto em situações positivas (cio ou recebimento de alimento) quanto negativas (isolamento físico ou falta temporária de alimento). E mais: que cada vaca pode ser identificada por sons específicos de alta frequência. Traduzindo, por um timbre específico da sua “voz”, isto é, seu mugido (https://doi.org/10.1038/s41598-019-54968-4).
Ficou demonstrado que essa distinção individual pode servir para atrair a atenção de outras vacas. Algo como: cada vaca tem seu grupo de amigas, que sentem se a outra está bem, ou estressada. Os pesquisadores concluíram que é possível desenvolver equipamentos digitais para tomar decisões de manejo que garantam o bem-estar e a manutenção da produtividade do rebanho, a partir dessa comunicação e identificação individual entre as vacas.
Produtores que se esmeram no cuidado com seus animais conhecem cada um deles e suas preferências. Mas à medida que os rebanhos aumentam e se tornam mais uniformes, o uso de equipamentos digitais eleva a confiabilidade da tomada de decisão pelos produtores e, ao mesmo tempo, facilita seu trabalho. Resultado: com esses equipamentos e outros que em breve estarão disponíveis, como no exemplo acima, um produtor e sua família podem ter mais qualidade de vida para, por exemplo, planejar seus momentos de lazer. E, ao mesmo tempo, obter do rebanho o leite produzido em quantidade e qualidade, que gere lucro e cause pouco impacto ao ambiente.
Pessoas felizes, com vacas felizes produzindo leite de qualidade. Essa é a expectativa tanto dos produtores, quanto dos consumidores, que em grande parte são cidadãos residentes nas metrópoles.
Porém, padrões mais altos de bem-estar animal podem aumentar os custos. O papel da confiança dos consumidores em relação aos produtores, que realmente mantêm vacas nos padrões de bem-estar é fundamental. E os consumidores aceitam pagar mais ao confiarem que os produtores investem no bem-estar do seu rebanho. Mais uma razão para usar tecnologias que facilitem a tomada de decisão e provem para quem quiser saber que o rebanho está na condição de bem-estar.
Para entregar soluções para essa nova realidade dos produtores e dos consumidores de forma rentável e sustentável, a Embrapa Gado de Leite inicia os trabalhos, a partir deste mês de março, da sua mais nova instalação para pesquisa, o “Compost Barn Vacas e Pessoas Felizes”. Este tipo de sistema de produção promove o bem-estar, pois permite a livre circulação das vacas, facilitando, portanto, a interação entre “grupos de amigas”. Também reduz problemas de casco e de aprumos e pode diminuir índices de mastite. Tudo isso tende a aumentar a produtividade dos animais.
Além disso, os dejetos viram composto orgânico, que pode ser usado como adubo. Este sistema foi construído por meio de parceria público-privada e será utilizado também em parcerias, seja com instituições de ensino e pesquisa, assim como empresas privadas. Sem falar nos jovens empreendedores e suas startups, trabalhando com as ferramentas de gigantes da telecomunicação, interessados no mercado da mais complexa cadeia produtiva do agro. Afinal, esta é a forma de trabalho da Embrapa gerar a inovação aberta, com entregas rápidas. A internet das coisas, ou IoT na sigla em inglês, será um dos conceitos, não o único, por meio do qual indicadores da alimentação, saúde e bem-estar serão mensurados, armazenados “na nuvem” e interpretados com o auxílio da inteligência artificial para desenvolver tecnologias e equipamentos, isto é, soluções para que os produtores e seus rebanhos trabalhem felizes
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