balde branco

ATUALIZANDO

Terapias alternativas para o

controle da mastite

Fique por dentro, nesta conversa com a biomédica Lívia Castelani, das principais novidades da pesquisa científica e de terapias alternativas para o controle da mastite. Ela é mestre em produção animal sustentável pelo Instituto de Zootecnia de São Paulo, doutora em microbiologia pela USP e pós-doutoranda no Centro de Pesquisa de Bovinos de Leite, do IZ.

Balde Branco: Situação geral do problema da mastite: no seu ponto de vista, quais são os principais problemas causados pela mastite clínica e subclínica?

Lívia – Além dos enormes prejuízos financeiros aos produtores e à indústria de lácteos, como diminuição na produção e na qualidade do leite, é importante enfatizar que a mastite é um problema sério para a saúde dos animais e dos consumidores. O uso intensivo de antimicrobianos no controle e na prevenção da mastite pode resultar em seleção de bactérias resistentes e gerar resíduos de antimicrobianos nos alimentos, ocasionando um problema de saúde pública.

Balde Branco: Pode-se dizer que tão prejudiciais quanto a própria mastite são os tratamentos sem critério com antimicrobianos?

Lívia – Sim. Pensando na vaca, o uso indiscriminado de antimicrobianos para o tratamento da mastite pode selecionar bactérias resistentes. Isso dificulta o tratamento, uma vez que o animal deixa de responder aos fármacos usualmente utilizados pelo produtor. Em consequência, há um prolongamento da doença e no tempo de tratamento, além de correr o risco de o animal perder o quarto afetado, ou mesmo vir a óbito. Ao produtor, há prejuízos financeiros com medicamentos, assistência veterinária e descarte do leite, ou até mesmo descarte do animal.
Pensando no consumidor, a ingestão de alimentos que contenham resíduos de antimicrobianos pode gerar problemas de saúde, uma vez que pode ocasionar reações alérgicas a pessoas sensíveis, alterações na microbiota intestinal e seleção de bactérias resistentes, além de efeitos tóxicos nos rins e fígado. Vale ressaltar que o processamento do leite, como a pasteurização, não elimina os resíduos de antibióticos.

Balde Branco: Inclusive há uma pressão mundial para o uso racional dos antibióticos, não?

Lívia – Sim. Atualmente, a resistência aos antibióticos é uma das maiores ameaças mundiais à saúde e à segurança dos alimentos. A resistência bacteriana aos antimicrobianos é um processo natural, mas o uso indiscriminado, seja na saúde humana, animal ou na produção de alimentos, está acelerando esse processo, inclusive agravado com a pandemia de covid-19. Com isso, fica cada vez mais difícil tratar as doenças infecciosas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que até 2050 a resistência bacteriana causará até 10 milhões de óbitos anualmente em todo o mundo.
A OMS, juntamente com a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), pensando no conceito de “saúde única”, estabeleceram normas internacionais para tentar desacelerar esse processo. Essas diretrizes englobam desde os profissionais de saúde, a produção de alimentos, a indústria e até a população em geral. No setor agrícola, estão listados o uso responsável de antibióticos sob a supervisão de um médico veterinário, protocolos de vacinação, boas práticas de produção agrícola que adotem sistemas sustentáveis como higiene, biossegurança e bem-estar animal, entre outros. Na área da indústria e pesquisa, é importante o incentivo e o investimento para o desenvolvimento de novas alternativas de controle e tratamento, vacinas e testes diagnósticos.

Balde Branco: Você falou sobre saúde única. Explique esse conceito e qual sua importância para a saúde dos animais e para os humanos?

Lívia – O termo “saúde única”, ou “one health”, em inglês, trata da inter-relação entre saúde humana, animal e ambiental. Esse termo é antigo, mas foi instituído em 2008 pela OMS, pela OIE e pela FAO. Tem sido utilizado em trabalhos que abrangem os três pilares visando a políticas públicas para prevenção e controle de doenças infecciosas na produção animal.

Balde Branco: Os produtores estão mais conscientes quanto a esses problemas e estão adotando as boas práticas voltadas a essa questão?

Lívia – A produtividade da pecuária leiteira cresceu 62% no período de 2006 a 2017, de acordo com o Censo Agropecuário. O impacto é positivo, pois aumentou a produção de 1,6 mil litros por vaca para 2,6 mil litros/vaca no ano. Apesar disso, ainda existem muitos desafios a serem superados para que o Brasil se torne mais competitivo no mercado internacional.
Em 2018, o Ministério da Agricultura estabeleceu as Instruções Normativas 76 e 77, com intuito de contribuir para a melhoria da qualidade do leite e derivados. Na prática, o que se observa é uma discrepância entre a realidade de produtores adequados às INs e aqueles que ainda precisam de ajustes.

Balde Branco: Quais os caminhos que os produtores devem seguir para serem mais eficientes no controle da mastite e garantir um alimento seguro – segundo as recomendações da IN 76-77?

Lívia – O emprego de boas práticas de higiene em todo o processo contribui muito para o controle das infecções intramamárias. Ainda o monitoramento periódico da saúde do rebanho por meio de testes diagnósticos, como o CMT (Califórnia mastite teste) ou a contagem de células somáticas (CCS), que identificam os animais com mastite subclínica. Com relação às mastites clínicas, é primordial que seja feito o teste da caneca de fundo escuro em todos os animais e em todas as ordenhas para identificação dos animais doentes, e colher amostra de leite para realização de cultura microbiológica, para a identificação do patógeno e testes de suscetibilidade antimicrobiana. Dessa forma, a escolha do tratamento é muito mais efetiva, e contribui para o uso racional dos antimicrobianos, diminuindo os riscos de resistência bacteriana. Além disso, é fundamental que a propriedade receba a assistência técnica de um médico veterinário.
O laboratório do Centro de Bovinos de Leite do Instituto de Zootecnia (IZ) está em fase final da reforma, e passará a receber amostras para identificação microbiológica dos principais patógenos da mastite bovina, assim como análises de composição e CCS. Além disso, existe um projeto futuro para quantificação de resíduos de antimicrobianos no leite por cromatografia líquida de alta performance (HPLC).

Balde Branco: E justamente por essa busca por alimentos seguros tem havido um crescimento da produção orgânica, também na cadeia leiteira. Como você vê a produção orgânica de leite?

Lívia – Gosto muito da filosofia da produção de alimentos orgânicos com relação ao respeito com o meio ambiente, à saúde do trabalhador e ao bem-estar dos animais. Todas essas vertentes deveriam ser preocupação também das propriedades convencionais, uma vez que o consumidor está cada vez mais exigente com a procedência do alimento. Em relação à produção de leite orgânico ainda é pouco expressiva no cenário nacional, mas com grande potencial de desenvolvimento.

Balde Branco: Na sua visão, quais os principais avanços hoje no controle da mastite bovina?

Lívia – Posso destacar o emprego de técnicas de estudos do DNA microbiano para o desenvolvimento de testes de diagnóstico mais rápidos e precisos, o sequenciamento genético para determinação do microbioma do leite e do trato gastrointestinal, com o objetivo de avaliar a relação entre microrganismos e seus hospedeiros e conhecer melhor a ocorrência de determinadas doenças, ou até mesmo entender a relação do patógeno com novos sistemas de produção (compost barn, ordenha robótica, etc.).
Outra linha de pesquisa que vale ressaltar é com relação a terapias alternativas aos tratamentos convencionais ou em associação a eles, como fitoterapia, homeopatia, ozonioterapia, acupuntura, laserterapia, que cada vez mais ganham espaço nos sistemas de produção.

Balde Branco: Com relação aos tratamentos alternativos, quais são as principais linhas de pesquisa e o que já se tem de resultados, medicamentos comprovadamente eficazes?

Lívia – Muitos grupos de pesquisa no mundo todo estão procurando em diferentes nichos ecológicos moléculas eficazes capazes de controlar agentes infecciosos em substituição às disponíveis atualmente, com o intuito de reduzir a resistência bacteriana. Atualmente, o Instituto de Zootecnia, em Nova Odessa (SP), tem trabalhado com alternativas promissoras, visando ao bem-estar animal e à produção sustentável da cadeia do leite.
Minha pesquisa de pós-doutorado, supervisionada pela pesquisadora dra. Lenira Del Faro Zadra, em colaboração com o Laboratório de Qualidade do Leite do IZ, está voltada para o controle da mastite ocasionada por estafilococos resistentes a antibióticos. O objetivo de nosso trabalho é avaliar o efeito de óleos essenciais e sua associação com uma substância produzida por bactérias lácteas para o desenvolvimento de uma terapia alternativa aos tratamentos convencionais. Além disso, o pesquisador dr. Luiz Carlos Roma Júnior vem atuando em projetos com a utilização de plantas medicinais na suplementação nutricional de bovinos leiteiros com resultados promissores na redução da CCS. O Instituto também conta com pesquisadores que empregam a fitoterapia para o controle de ecto e endoparasitas.

Balde Branco: Só para esclarecer aos produtores: essas terapias alternativas também podem ser utilizadas em sistemas de produção de leite convencional?

Lívia – Com certeza. Como já mencionado, o uso de terapias alternativas é importante para o controle de doenças infecciosas, com o intuito de reduzir a resistência bacteriana, além da maior exigência do mercado consumidor preocupado com alimentos de melhor qualidade.

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