balde branco

CRÔNICA

Paulo do Carmo Martins

Economista e pesquisador da Embrapa Gado de Leite

 Havia denúncias de que parte do leite vindo da Argentina, na verdade tinha origem na União Europeia. Também, havia denúncias sobre leite fraudado chegando às gôndolas dos supermercados, com a adição de soro, além de fraudes de marcas líderes, que eram vendidas ao varejo como se fossem produzidas pelos verdadeiros laticínios”

Trilogia do leite: surge a inteligência do setor

Após as transformações estruturais ocorridas na década de noventa e retratada nos artigos anteriores, o setor deixou um ambiente em que os preços eram controlados pelo Estado, para vivenciar um ambiente desregulamentado, com contornos de livre mercado. Em pouco tempo ficou evidente que, era ruim com o Estado controlador, pior ficou com o Estado mínimo.

Nos primeiros anos deste milênio o setor de leite e derivados vivenciou situações inusitadas, como a existência de empresas ofertadoras de leite em pó que não eram laticínios. Os chamados “sem fábrica” importavam leite europeu a preços subsidiados e com suspeita de prazo de validade vencendo na origem. O produto tinha preços competitivos e abastecia programas sociais e as gôndolas dos supermercados.

Havia denúncias de que parte do leite vindo da Argentina, na verdade tinha origem na União Europeia. Também, havia denúncias sobre leite fraudado chegando às gôndolas dos supermercados, com a adição de soro, além de fraudes de marcas líderes, que eram vendidas ao varejo como se fossem produzidas pelos verdadeiros laticínios.

Esse mercado desestruturado forçou um amadurecimento rápido na organização do setor. A CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, e a OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras, juntamente com a CBCL – Confederação Brasileira de Cooperativas de Leite tiveram importante papel de organizar as demandas do setor. Rendo homenagens ao líder Paulo Bernardes, que se foi durante o pico da pandemia.

As entidades inauguraram um novo tempo. Ao perseguirem duas vertentes, foram além da representação político-setorial. Uma vertente foi colocar o assunto Qualidade do Leite na agenda do setor, ao solicitar ações de polícia contra fraudadores, e ao apoiarem o surgimento de um marco regulatório, materializado na Instrução Normativa 51, do Mapa.

A outra vertente foi criar a inteligência do setor. Essas entidades iniciaram uma relação com os institutos de pesquisa, visando gerar conhecimento sobre a realidade do setor. Em 2003, o Prof. Geraldo Camargo, do Cepea/Esalq/USP, me convidou para integrar uma pequena equipe com o propósito de realizar um estudo inédito – o Censo do Cooperativismo de Leite.

O idealizador deste estudo foi Jacques Gontijo. O objetivo foi conhecer quem eram e como se estruturavam as cooperativas de leite no Brasil. Mas os resultados obtidos nos levaram muito além e o estudo se transformou no “divisor de águas” do setor, ao permitir entender o novo mercado de leite surgido após a desregulamentação, ocorrida nos anos 90.

Esse estudo foi a base do primeiro Planejamento Estratégico do setor, que levou a feitos estruturantes. Em 2004 foi criado o Sistema de Monitoramento do Mercado Lácteo – o SimLeite, o primeiro boletim informativo de preços de leite e derivados no atacado. De circulação inicialmente quinzenal, trazia cotações dos preços de leite e derivados comercializados pelas cooperativas em diferentes praças do País.

O Simleite foi resultante de uma parceria entre OCB, CBCL, Cepea/USP e Embrapa Gado de Leite e foi lançado na presença do ministro Roberto Rodrigues, que também criou a Câmara Setorial de Leite e Derivados reunindo, de modo permanente, as principais entidades, com o propósito de discutirem os desafios e as contradições desta cadeia produtiva.

Em 2006, na Embrapa Gado de Leite, criamos o Centro de Inteligência do Leite, que disponibiliza dados, mapas, informações e análises sobre o setor, em versão digital. Em 2007, criamos o Índice de Custos de Produção de Leite – o ICPLeite, para medir a inflação mensal de custos do setor e, em parceria com várias entidades, criamos o Consórcio Brasileiro para a Comparação de Sistemas de Produção de Leite – CBLeite.

No início daquela década também surgiu o Portal Milkpoint, que se transformou na principal plataforma de informações técnicas e econômicas do setor lácteo do mundo, em termos de assinantes ativos, reunindo pesquisadores, professores, dirigentes de empresas de insumos e produtores.

Em 2007 a reunião de esforços do Milkpoint, USP e Embrapa Gado de Leite resultou no estudo “Cenários do Leite no Brasil em 2020”, importante futurologia para um setor acostumado a pensar somente o curtíssimo prazo.

Entre 2004 e 2007 o Brasil se tornou exportador de leite para mais de 50 países. Isso ensejou um pensamento voltado para conhecer o mercado externo. Por este motivo, a Embrapa Gado de Leite e várias entidades do setor aderiram à Federação Pan-americana de Leite – Fepale e fizemos um Congresso da entidade no Brasil, com a participação de 27 países. O Brasil também aderiu à Aliança Láctea Global, formada pelos principais exportadores, que buscavam destravar o mercado internacional de lácteos.

Entretanto, veio a crise financeira mundial de 2008, que congelou o mercado internacional e deixamos de ser exportadores líquidos. Mas ficou o legado: o setor passou a ter Inteligência de Mercado, com novos produtos e serviços surgindo a partir daí.

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