balde branco

"Contra produtos fakes, que se passam por lácteos, e fakenews sobre nosso setor, precisamos de ações conjuntas da cadeia produtiva do leite, para termos força na defesa de nossa atividade junto às instâncias políticas, a órgãos do governo e ao mercado consumidor"

ENTREVISTA

GERALDO BORGES

UNIÃO É O CAMINHO

para fortalecer a classe produtora

A Abraleite completou em julho três anos de atividade. Empenhada na defesa dos interesses dos produtores, em várias frentes, sobretudo junto às esferas políticas e órgãos do governo, ela também tem se destacado na busca do fortalecimento da classe produtora, conscientizando os pecuaristas de leite sobre a importância do associativismo – sindicatos, cooperativas e associações. Nesta entrevista, Geraldo Borges, presidente da Abraleite, fala sobre os desafios dos novos tempos, das lições a serem aprendidas com a pandemia e ações contra a crise por que passa a cadeia produtora.

Balde Branco – Os transtornos da pandemia transformaram fortemente nossas vidas. Especificamente para a classe produtora de leite, que lição se pode tirar disso tudo?

Geraldo Borges – São várias as lições que nós, produtores de leite, podemos tirar desse impacto tão grande em âmbito mundial. Uma primeira lição: devemos trabalhar muito mais pela segurança alimentar e segurança do alimento, pois neste momento a humanidade viu a importância de contar com o abastecimento de alimentos (segurança alimentar) e, ao mesmo tempo, que esse alimento seja saudável e de qualidade, sem risco de causar danos às pessoas. Ter alimento suficiente que reforce nossa resistência às doenças. Outro ponto que constatamos é que algumas categorias passaram a conversar mais, para discutir os problemas da cadeia produtiva. Temos esperança de que essas conversas e reuniões deverão aumentar também na pós-pandemia. No âmbito da Abraleite, observamos que muitas pessoas passaram a valorizar mais o associativismo, o cooperativismo e o sindicalismo, conscientizando-se de que, unidos e organizados, podemos muito mais. Especificamente a classe produtora de leite, que sempre foi o elo mais desorganizado, desmobilizado, desarticulado e mais desunido.

BB – A Abraleite tem usado tecnologias da informação em suas comunicações, durante o isolamento social. Você acha que esses novos recursos estão influenciando o setor leiteiro?

GB – Acompanhamos essa nova fase de conectividade geral na sociedade. A Abraleite, com sua sede em Brasília, já vinha, antes da pandemia, utilizando, por exemplo, a videoconferência, aplicativos, redes sociais e demais recursos digitais, como forma de comunicação mais efetiva entre seus conselheiros, diretores, representantes das comissões temáticas e representantes das mais diferentes regiões do País. Vale assinalar a maior disseminação de tecnologias da informação nas fazendas leiteiras, que permitem que o produtor tenha em seu smartphone tudo o que acontece em seu sistema de produção em tempo real e interconectado com o técnico e funcionários. Essa conectividade também vem se refletindo no relacionamento entre si da classe produtora de leite. Os produtores não ficaram indiferentes a essas tecnologias, aproveitando para ampliar enormemente a comunicação, por meio dos mais diversos grupos de produtores, criadores das diversas raças, de todas as regiões do Brasil, que enviam imagens e vídeos de seu dia a dia na fazenda, na lida, relatando seus problemas, “botando a boca no trombone”, fazendo reivindicações. Isso trouxe uma aproximação, uma troca de ideias e experiências nunca vistas antes. Ou seja, a classe produtora, mesmo remotamente, está mais unida e mobilizada.

BB – Pelo lado das entidades representativas da cadeia do leite, tem havido também maior proximidade?

GB – Sim, as entidades passaram a se reunir com mais frequência, inclusive as que compõem a Câmara Setorial do Leite e Derivados, tanto representantes da indústria como dos produtores, discutindo assuntos mais convergentes, que precisam de mais maturidade da cadeia como um todo para caminharmos juntos. Temos pautas que são favoráveis a ambos. Por exemplo, a defesa de nosso produto contra outros que prejudicam nossa imagem de produtor e dos laticínios, pois passam com o rótulo “leite” produtos que não têm nada a ver com o leite, e ainda têm a narrativa de que o leite animal prejudica a saúde e sua produção causa danos ao meio ambiente. Contra isso, precisamos de ações conjuntas para termos força na defesa de nossa atividade, que está sendo prejudicada por esses produtos fakes que querem se passar por leite e por derivados lácteos, sem ter nada de leite em sua composição. E inclusive contra as fake news pela desinformação que disseminam. Além disso, há ainda diversas pautas de interesse da cadeia do leite, como a desoneração tributária, tanto para a indústria como para produtores, entre outras. Sem esquecer de um pleito antigo e importante da classe produtora, que é a melhoria do relacionamento entre indústria e produtores, inclusive no processo de contratos.

BB – Nesses três anos da atividade, você vê hoje mais união e mobilização dos produtores?

GB – A gente percebe que há uma resistência muito grande por parte de produtores de compor, de fazer parte de entidades de classe, seja de sindicatos, de cooperativas, seja de associações. Assim, não participam, não contribuem, mas criticam mesmo sem ter conhecimento dos assuntos que tratam essas entidades e de suas ações em prol da classe que representa. Essas três formas distintas de associativismo podem ter, obviamente, entre elas aquelas boas e as ruins, com gestões boas e gestões que deixam a desejar. Nós, da Abraleite, entendemos que é fundamental a união da classe produtora de leite numa entidade nacional, aqui em Brasília, bem como defendemos que é muito importante o trabalho de outras entidades que atuam no agro em geral e em âmbito nacional, por exemplo, a CNA, a OCB, entre outras. Cada uma tem um papel muito importante em sua área de atuação.

Essa conectividade pela internet também vem refletindo no relacionamento entre si da classe produtora de leite, trazendo maior aproximação e mobilização dos produtores”

BB – O que se tem efeito para estimular, mais efetivamente, a união dos produtores em todas as regiões do País?

GB – Além da atuação da Abraleite, como representante da classe produtora de leite, em âmbito nacional, ao mesmo tempo valorizamos muito a base, ou seja, as organizações regionais, que atuam em operações e ações tanto no associativismo, como em nosso sistema, unindo a classe produtora. Por exemplo, organizar produtores de certa região para fazer, coletivamente, compras de insumos em melhores condições de mercado, e também venderem em grupo seu produto. Além disso, também atuam na defesa de seus interesses em momentos difíceis, nos Estados.

BB – A Abraleite já conta hoje com milhares de produtores de leite filiados. As ações para ela crescer mais ainda continuam?

GB – O produtor precisa se unir, se mobilizar, pois é o elo básico de uma cadeia produtiva que tem uma grande expressão na economia do Brasil, podendo avançar muito mais ante o grande potencial do mercado nacional e internacional para o segmento de lácteos. Para isso acontecer, há muito dever de casa que precisa ser feito, inclusive a questão da organização necessária para que possamos ser uma cadeia exportadora de produtos lácteos, que proporcionará melhor equilíbrio. A gente pode comparar a cadeia de proteína animal: avicultura, suinocultura e bovinocultura, que tiveram maior facilidade nesse momento de pandemia, em que houve uma alta no preço dos ingredientes das rações e também nos medicamentos e fertilizantes. Esses setores tiveram como válvula de escape as exportações, exceto a cadeia do leite.

BB – Enquanto os outros setores estão exportando os produtos de origem animal, o produtor de leite está sofrendo com as importações de lácteos...

GB – Esse é um problema sério. A Abraleite se posicionou desde o início de 2017 contra as importações massivas, desordenadas, inoportunas, que levam à queda do preço pago ao produtor, desestabilizam a cadeia como um todo, prejudicando muito pequenos, médios e grandes produtores. Temos um papel importantíssimo, com 1,171 milhão de fazendas produtoras de leite (dados do IBGE), gerando algo em torno de 5 milhões de empregos diretos, e mais de 15 milhões de empregos nos demais elos da cadeia produtiva do leite (industrialização, comercialização de leite e lácteos e transporte). Esse grande problema do aumento dos insumos para a agropecuária e a queda da remuneração do leite, mais a questão das importações é muito preocupante para nós, e o governo federal precisa estudar e conseguir uma solução para isso.

BB – No caso dessa crise das importações, qual foi o papel dos laticínios?

GB – Sabemos que no setor da indústria há laticínios e cooperativas muito sérios, como também outros que especulam, agindo de maneira errada, promovendo ações e estratégias prejudiciais aos produtores. Também sabemos que existe um desentendimento muito grande entre a indústria e o elo do atacado e varejo. Presenciamos durante a pandemia momentos de polêmicas e denúncias, envolvendo a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), que acusou os laticínios de formação de cartel. É prejudicial a toda a cadeia do leite essa relação turbulenta do elo intermediário (indústria) com setor final da comercialização dos produtos lácteos. Ante esse enfrentamento, a Abraleite prefere tratar a questão com ponderação e firmeza, na tentativa de atingir a maturidade na nossa cadeia para que a gente evolua. Para tanto, ocorreu pela primeira vez uma reunião da Abraleite com a Abras, no mês de abril, com o setor primário dialogando com o setor terciário. Com isso, buscamos uma evolução para que os três setores possam adquirir maior amadurecimento da cadeia e melhorias para todos, sobretudo para o elo mais fraco, que sempre foi o produtor de leite, e estamos trabalhando que deixe de ser e que sua voz seja ouvida.

BB – Tem melhorado a relação produtor versus indústria? Como você vê a iniciativa de pagamento por sólidos do leite?

GB – Essa iniciativa é muito interessante, mas ainda incipiente no Brasil. Evidentemente, é uma maneira de valorizar a qualidade do leite, através dos sólidos, de valorizar o trabalho do pequeno, médio e grande produtor. Esse é um caminho que Nova Zelândia e Austrália adotaram e que é muito inteligente. Outro ponto fundamental que a Abraleite valoriza muito é a relação entre produtor e indústria com maior civilidade, contratualização, ou seja, uma relação ganha-ganha. Para isso, é necessário que as associações de produtores regionais possam sentar e negociar coletivamente preços melhores, por exemplo. Vejo que esse amadurecimento acontecerá mesmo que não seja na velocidade que desejamos, mas aos poucos conseguiremos atingir esse equilíbrio necessário.

BB – Ante essa nova crise – recorrência do que acontece há décadas: importações de lácteos, queda de preço, aumento de insumos... Como a Abraleite está agindo?

GB – Nós, da Abraleite, acreditamos que o governo federal precisa atuar com melhor planejamento nessa questão de abastecimento interno. A entidade tem atuado positivamente, participando de reuniões com equipes do governo, como o Mapa, a Conab, entre outros, buscando soluções para a cadeia do leite. Somos um gigante do agronegócio e todavia devemos crescer com organização, com todas as cadeias sólidas, sobretudo a do leite, que é um dos setores que mais precisam de melhor estruturação. São muitos os problemas pontuais e estruturais que afetam muito a cadeia do leite. Daí a importância de que a classe produtora esteja unida e mobilizada.

BB – Que recado você gostaria de deixar para o produtor de leite?

GB – Como já disse, é essencial a união dos produtores por meio de sua entidade maior, que é a Abraleite. Ela não está aí somente para defender seus interesses, mas também para buscar construir um cenário melhor, atuando fortemente no Congresso, na Câmara e no Senado. Acompanhamos mais de 55 projetos relacionados à cadeia do leite, sendo em alguns a autora das demandas junto a diversos órgãos públicos. Com isso, a associação vem contribuindo para mudanças importantes dentro da cadeia produtiva do leite, com regulamentações, melhorias diversas para que no futuro tenhamos um setor organizado, com produtor mais forte. Daí ser fundamental o produtor de leite se associar à Abraleite.

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