Parece lugar comum, mas quando se trata de encontrar soluções para maximizar ganhos e minimizar impactos negativos em qualquer ramo de atividade, vale repetir o velho ditado de que “a união faz a força”. No caso do produtor de leite, que em 2020/2021 enfrentou altas consideráveis nos custos dos insumos, com reduzida margem de lucro, a soma de esforços pode dar um bom resultado. Mas como isso pode acontecer?
Um exemplo está na história de dois produtores de leite de Cachoeira Paulista (SP), que estabeleceram uma parceria inédita para otimizar seus recursos materiais, financeiros e de mão de obra visando reduzir os custos de produção. Por enquanto, o retorno ainda é pequeno, mas a expectativa é chegar a um patamar que lhes permita tocar a atividade sem muitos atropelos e com relativa folga em seus ganhos.
A Fazenda Santa Cabeça da Bela Vista – referência ao Santuário de Santa Cabeça, centro de peregrinação bastante conhecido de fiéis católicos de todo Brasil, que fica próximo à propriedade – é uma herança de família do engenheiro agrônomo Antônio Celso Ferreira Ferraz. Ele arrenda de sua mãe e de uma tia, respectivamente, duas glebas de terra que somam 100 hectares numa região bastante declivosa, onde produzir leite não é uma tarefa das mais fáceis. Por isso, da área total, apenas 5 hectares aproximadamente são aproveitados nessa atividade.
Histórico – O que ajuda bastante é a experiência de Ferraz, adquirida ao longo de 29 anos como funcionário da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, lotado na Casa da Agricultura local, onde atuou como extensionista, atendendo pequenos produtores de leite, muitos deles localizados em áreas semelhantes. Ele se se aposentou dois anos atrás.
Junto à experiência como extensionista, além da tradição familiar, Ferraz é produtor desde 1986. Atualmente, é vice-presidente da Cooperativa de Laticínios de Cachoeira Paulista (Colacap), onde também já havia trabalhado como técnico em projetos de assistência técnica.
“Comecei ainda estudante de agronomia. Meu avô tinha uma área de milho na fazenda, de onde não colhia mais que meio carro de bois. Com calagem e outras práticas recomendadas por mim, multiplicamos a produção por seis e a partir daí ele passou a me dar mais atenção e a permitir que eu opinasse na gestão da propriedade”, relembra. Mesmo enquanto exerceu o cargo público no Estado, a propriedade continuou sendo tocada por funcionários, mas sob sua orientação.
Do outro lado da história está o produtor Cléio Carlos da Fonseca, que desde a infância trabalhou na propriedade da família, a 18 quilômetros do centro de Cachoeira Paulista, juntamente com o pai e um irmão. Lá, ele tinha algumas vacas numa pequena área de pastejo rotacionado com 20 piquetes de 100m2 cada, que coincidentemente haviam sido instalados sob a orientação de Ferraz, quando ainda técnico da Casa da Agricultura.
“Resolvi tentar outra forma para produzir leite e surgiu essa proposta de parceria, que já dura mais de um ano e meio”, resume. Antes, por algum tempo, trabalhou como diarista em propriedades próximas à cidade, para onde se mudara. Ferraz, por sua vez, via no futuro parceiro um bom potencial, por já ter trabalhado e conhecer o funcionamento de um sistema intensivo de pastagem, além de ser inseminador e ter outras aptidões.
No começo da parceria – Quando juntaram patrimônio, trabalho e experiência pensando em reduzir custos –, Fonseca veio com seis vacas e alguns bezerros e disponibilizou sua mão de obra, sendo dele a responsabilidade pelo manejo do rebanho, pela ordenha e pela manutenção das pastagens e capineiras.
Já a maior parte dos animais, a infraestrutura, as despesas operacionais e alguns investimentos foram garantidos pelo proprietário da área, além do seu preparo técnico, principalmente para a produção de comida. “É uma parceria na qual compartilhamos conhecimentos, ou seja, eu com a minha experiência em extensão rural e ele com a sua prática do dia a dia.”
Assim, na divisão do lucro líquido Ferraz fica com 60%, por ter feito o maior investimento, restando 40% ao parceiro, sendo as despesas e as crias que vierem depois do início do negócio divididas igualmente entre os dois. “Ele é uma pessoa muito eficiente e dedicada e o desempenho da propriedade melhorou muito nesse curto período de tempo”, elogia Ferraz.
Foi em maio de 2021, já aposentado, que ele deu início ao novo formato do negócio. Houve uma primeira tentativa, que não vingou e durou apenas 12 dias, mas na sequência acabou caminhando com Fonseca. Ferraz conta que no primeiro dia a produção foi de 53 litros de leite, a sua pior marca como produtor, mas depois já alcançaram mais de 200 litros/dia.
Um pouco antes, tinha havido um contratempo na cobertura das vacas, por insistência de Ferraz na recuperação do reprodutor que, doente, não conseguiu exercer sua função e praticamente todas as vacas ficaram vazias na mesma época.
O erro foi corrigido e logo no início do trabalho conjunto as vacas, já prenhas, foram parindo e, num período de dois meses, a produção alcançou 200 litros/dia, com 20 animais em lactação, mas com uma nova entressafra de vacas paridas, chegou a cair para menos de 100 litros/dia, voltando atualmente aos 200 litros/dia.
“Estamos organizando o fluxo de reprodução para que isso não ocorra mais”, afirma o engenheiro agrônomo. No momento, está sendo decidido entre eles como será ajustada e melhorada a genética do rebanho, se por inseminação artificial ou com a compra de algumas novilhas, além daquelas oriundas do próprio rebanho.
Crescer juntos – A estratégia de propor esse sistema já fazia parte dos planos de Ferraz, que depois de anos submetido às formalidades de um emprego público, desejava ter mais tempo e tranquilidade e já via nas parcerias um arranjo interessante para a solução de impasses e uma boa alternativa para alavancar negócios. “Numa parceria você sempre consegue fazer com que o outro também evolua junto, somando os esforços, mas não é um processo fácil e está sempre em construção”, diz.
No caso de seu parceiro, a evolução almejada é ter seus próprios animais e obter rendimentos suficientes para a sua família de forma digna como produtor de leite. “Minha meta é ter uma renda mínima de R$ 3 mil por mês. Ainda estamos longe disso, mas trabalhando para que ela seja alcançada”, afirma Fonseca. Ele também esperar formar um plantel com as bezerras que forem rendendo da parceria.
Por enquanto, sua renda tem vindo da venda de 20 litros/dia de leite em seu nome à Colacap, para garantir também o vínculo com a previdência e para uma futura aposentadoria. O valor correspondente, no entanto, é descontado no balanço do final de ano e, caso haja algum saldo a pagar, é compensado na hora de dividir as crias.
Ferraz calcula que, para chegar ao valor desejado, será preciso alcançar produção média de 300 litros/dia, com rendimento bruto de cerca de R$ 23 mil/mês, considerando que hoje a relação custo/margem de lucro está em torno de 80% (custo) para 20% (lucro), o que geraria receita líquida de R$ 7 mil/mês, com o preço por litro calculado em R$ 2,50, nos momentos de safra. “Nosso objetivo é chegar a 70% de custos e 30% de lucro ou até mesmo 60% e 40%”, resume.
O grande desafio de sua parte agora, segundo o produtor, é encarar o negócio com o seu olhar mais técnico, enquanto seu parceiro foca na gestão dos custos, com critérios para definir a quantidade de comida para cada lote de animais de acordo com seu desempenho e para aproveitar melhor os piquetes e com isso ganhar mais dinheiro.
“Ainda falhamos no planejamento da lotação das pastagens. Erramos, porque neste ano, por exemplo, tivemos que comprar silagem de sorgo em novembro, época em que não se trata do gado com volumoso no cocho, mas já avaliamos e vamos corrigir as falhas para que no ano que vem isso não volte a acontecer”, diz Ferraz.
Sistema diferenciado – Ele observa ainda que o sistema de pastejo rotacionado adotado na fazenda agora é diferenciado. Até no ano passado era de 28 dias, nos de capim-mombaça; 35 dias nos de napier e 20 dias nos de tifton, mas, conforme orientação técnica de uma empresa paranaense, esses intervalos foram reduzidos, partindo do princípio de que os animais não precisam consumir a planta inteira, mas apenas suas pontas.
Isso é possível com piquetes maiores e, nesse momento, no caso da fazenda, também com o acréscimo do sorgo no cocho, mas o correto é melhorar a produção de comida no sistema fazendo a adubação e o manejo correto, reduzindo também o número de animais por área.
Para aumentar o tamanho dos piquetes, a quantidade foi reduzida: de 36 piquetes de napier, por exemplo, passaram para 12, numa área de 6,6 mil metros quadrados; os 28 de mombaça foram reduzidos para 14, numa área de 1 hectare, e os 20 de tifton agora são dez, em meio hectare.
“Essa é uma nova tecnologia que estamos testando e tudo indica que está dando certo. Com menos animais por hectare e adubados corretamente, os piquetes se recuperam em prazo menor, porque reduz o estresse das plantas e sobram mais folhas e com isso o processo de fotossíntese é recomeçado imediatamente. É um novo olhar sobre esse sistema e é nisso que estamos apostando”, nota Ferraz.
No caso da produção de silagem para o período de inverno, três pequenas áreas de capim-mombaça, somando dois hectares, que começaram a ser preparadas em agosto com previsão para duas colheitas, devendo a primeira ocorrer em dezembro próximo.
Para encerrar, ele diz que a produção de leite “é uma paixão que só dá certo com quem é apaixonado por ela”, mas isso não é tudo. “Tem a questão financeira também, porque vivemos num sistema capitalista. Tem que gostar muito e é isso o que acontece com a gente.”
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