TENDÊNCIAS

Pedro Braga Arcuri
Pesquisador da Embrapa Gado de Leite
“As propriedades leiteiras são um ótimo local para a geração de energia renovável, a partir do sol, da biomassa (com sistemas integrados pecuária e floresta) e dejetos produzindo biogás”
Vício
“Estamos viciados em combustíveis fósseis”, declarou há algumas semanas o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres. A guerra na Ucrânia e mais um tórrido verão no Hemisfério Norte estão contribuindo para demonstrar a urgência da adequação de praticamente todo tipo de equipamento à realidade da mudança do clima. Praticamente todos os equipamentos, incluindo as máquinas agrícolas, ordenhadeiras, etc., são pouco eficientes no uso da energia, porque, como diria um saudoso professor, foram desenvolvidos quando “se limpavam as mãos com gasolina”.
O dirigente da ONU destacou que, enquanto o preço do petróleo oscila sempre para cima, as fontes renováveis têm apresentado custos decrescentes, por causa dos resultados de muita pesquisa e dos investimentos de indústrias e órgãos públicos em equipamentos.
A alta nos preços dos combustíveis, independente de reduções artificiais e efêmeras, interfere em diversas etapas da produção agropecuária. Um amplo estudo da CNA constatou que, para alguns produtores, o impacto nos custos pode chegar a 93%, especialmente porque é inviável para as transportadoras manter o custo do frete inalterado.
Por outro lado, as propriedades leiteiras são um ótimo local para a geração de energia renovável, a partir do sol, da biomassa (com sistemas integrados entre pecuária e floresta) e dejetos produzindo biogás. Tecnologias eficientes para captar e armazenar podem se somar a equipamentos mais eficientes no uso de energia e, desta forma, reduzir os custos derivados do consumo de energia. A meu ver, as propriedades serão forçadas a adotar novos equipamentos e fontes alternativas de energia, num futuro que se aproxima muito rápido. Ainda na minha opinião, por enquanto, estamos mais para a cigarra da fábula, sempre despreocupada, deixando o tempo passar, do que a laboriosa formiga.
Resultados de propriedades demonstram renda extra a partir de dois anos da adoção da tecnologia genuinamente nacional da integração pecuária + florestas, além de rendas da venda de madeira, do aumento da produtividade devido a efeitos no conforto animal e da capacidade de suporte das pastagens. O pagamento por créditos de carbono e por serviços ambientais já é um mercado estabelecido entre nós, ainda que pequeno. Em breve, até a maior retenção da água da chuva em áreas integradas poderá ser contabilizada, por garantir o suprimento de água para as cidades.
Sem esquecer de que é isso o que a maioria dos consumidores esperam. Cada vez mais bem informados, eles aceitam pagar mais por produtos com qualidade, de marcas sustentáveis.
Mas não se pode esquecer também que a tendência de adoção de “energia limpa”, associada ao custo crescente dos combustíveis fósseis, exige planejamento financeiro para a troca dos equipamentos por modelos mais eficientes e desenvolvidos para o uso de energias renováveis.
Financiamentos factíveis e atraentes já existem. O Plano Safra 2022/23 sinaliza essa tendência, com os seus R$ 340,88 bilhões que podem financiar atividades de geração, distribuição e uso de energias renováveis, de recuperação de áreas degradadas e no financiamento de equipamentos movidos a biometano, que vem a ser biogás “purificado”. Consórcios são outra opção, nesses tempos de juros elevados.
A propriedade leiteira necessita de energia segura, constante e em quantidade, mas é necessário acabar com o “vício” em petróleo. O planejamento financeiro para a aquisição de equipamentos e máquinas mais eficientes, desenvolvidos para energias renováveis, diminuirá riscos e incertezas e deve ter como norte a gestão rigorosa de custos e das operações da propriedade, especialmente com a rentabilidade tão magra como a atual.